realismo político

1. Actualidade de Tucídides

Vinte e cinco anos depois de ter tentado traçar os contornos essenciais do realismo político (Portinaro, 1999), volto a um tema que, no entretanto, conheceu uma atenta revisitação crítica de parte de muitos. O conhecimento dos textos da literatura do século XX sobre o tema também se aprofundou no decurso dos últimos anos – graças a revisitações e, por vezes, a verdadeiras e próprias exumações (penso nas obras de Aron, Morgenthau, Niebuhr).[1]

Entre os críticos desta abordagem, permanecem, indubitavelmente, reservas nos confrontos dos seus pressupostos ontológicos, da sua orientação holística, das suas inadequações metodológicas. Mas se se prescinde da reapropriação mais dogmática e ideologicamente orientada, existem boas razões para observar com renovado interesse uma metateoria que se move em contramão no que respeita aos excessos de empirismo, ao prevaricar do normativismo, ao afastar-se dos laços entre a ciência política e a história. Num clima cultural caracterizado pela crescente aversão para com as abstracções normativas, e desencantado com os confrontos dos idealistas utópicos, as posições mais diversas reivindicam, assim, para si, a atribuição de um verdadeiro realismo. Nas relações internacionais, consolidou-se a orientação sob o nome de neorrealismo. No entanto, na filosofia voltou também a inflamar-se, sobre as cinzas de animados debates dos decénios passados, um novo debate sobre o realismo. Permitam-me que diga, desde já, que este contributo se limitará, contudo, a propor uma cartografia essencial do realismo político clássico.

Por esta razão, naquele contributo precedente, partia do “paradigma tucididiano”. Colocado sob uma perspectiva histórica razoável, este não é um objecto enigmático, mas um núcleo metateórico, a partir do qual se podem relativizar várias reservas críticas concernentes à ontologia, à metodologia, ao holismo de uma grande tradição de pensamento. Não é difícil enuclear da obra de Tucídides, que é a história de uma grande guerra[2], os assuntos constitutivos do realismo político: uma visão não mitológica e desencantada da história, uma antropologia política bem caracterizada, uma concepção trasimaquea[3] do poder (o diálogo dos Mélios é a representação mais eficaz do mesmo), uma teoria da dinâmica de potência e, de modo definitivo, uma concepção polemológica do político. Desde há muitos decénios, como é sabido, a obra de Tucídides está no centro da revisitação historiográfica e da elaboração teórica da ciência das relações internacionais (Aron, 1970; Bonanate, 1971).[4] Mas a sua reconstrução dos acontecimentos do mundo helénico, no tempo da Guerra do Peloponeso, não serviu somente como material analógico para explicar as lógicas políticas de um mundo bipolar. Há alguns anos, Bruno Bongiovanni introduzia um novo artigo escrevendo: «Agora não é mais possível evitar comprometer-se com os grandes problemas históricos. Não se pode, em suma, depois da queda do comunismo, não reencontrar Tucídides» (Bongiovanni, 1995: 13).

Distingo, analiticamente, seis níveis de inquérito em torno do realismo político: trata-se, de facto, de questionar-se 1) que concepção da história lhe está, agora, subjacente, 2) que antropologia o suporta, 3) que concepção da política (do político como âmbito dotado de uma normatividade própria), 4) que teoria (da mudança) das instituições, dos arranjos constitucionais, das formas de governo, 5) que praxeologia (ou, doutrina das máximas de conduta  na política), 6) que concepção da relação entre praxis e teoria (o que quer dizer, em geral, que concepção do fenómeno ideológico inerente a todas as sociedades humanas).

2. A concepção da história

É preciso, antes de mais, questionar-se sobre qual é a concepção da história que lhe está subjacente, visto que é uma obra histórica, justamente aquela de Tucídides, que gera tal paradigma. O realismo político nasceu no seio da historiografia pragmática, que coloca os indivíduos e os agentes colectivos na origem dos eventos políticos, excluindo a intervenção divina, ou de outras potências mágicas. Tal significa, contudo, que o homem está em condições de orientar os processos históricos segundo as suas intenções e os seus planos. O decurso histórico é mais o resultado do entrelaçamento de necessidades (ananke), eventos (tyche) e factores humanos (ta anthropina).[5] Ananke e tyche colocam limites intransponíveis ao agente sujeito. E a necessidade, que não conhece lei, que tem em xeque a vontade humana de dominar o mundo segundo desenhos racionais: também o poder de disposição dos dominantes é sobreposto às leis da natureza e da história. A experiência da limitação das suas capacidades de intervenção no mundo constitui uma constante da acção humana. Da necessidade e da coerção das necessidades resultam agressividade e conflitualidade, da contingência e da incerteza, a inconstância e a volubilidade dos actores. Os conflitos manifestam-se sempre de modo contingente: e no domínio das coisas, que podem ser também de outro modo, os homens esforçam-se sempre para governar o acontecimento. A trama da necessidade e do facto torna-se manifesta nas análises das dinâmicas bélicas. Mas considerações análogas valem também para as sedições e revoluções.[6]

O poder do homem no encaminhar do curso histórico é, portanto, estruturalmente limitado. A constância da natureza humana é, pois, um leitmotiv do realismo: uma natureza ambígua, feita de paixões e razão. O primeiro assunto da concepção tucididiana da história diz respeito à própria imutabilidade da natureza humana.  Descrevendo as calamidades que acompanham a guerra civil de Corcira, Tucídides fala de «[…] sofrimentos […] que sempre aconteceram e acontecerão, enquanto a natureza do homem continuar a ser a mesma […]», mesmo que as manifestações fenoménicas daquela possam ser diversas, «[…] conforme sucederem em cada caso variações das circunstâncias» (Tucídides, 2013: 317 – III, §LXXXII, [2]). A invariabilidade da natureza humana na história é, pois, um assunto central em Maquiavel, como se verifica em vários passos, a partir do Proémio ao Livro II dos Discursos: «[…] julgo ter estado sempre o mundo no mesmo modo […]» (Maquiavel, 2024: 190). Ainda no século das grandes teorias da civilização e do progresso, orientadas para postularem um crescente domínio da razão sobre o curso histórico, Montesquieu seria induzido a escrever: «pois que os homens tiveram em todos os tempos as mesmas paixões, as ocasiões que produzem as grandes mudanças são diferentes, mas as causas são sempre as mesmas» (Montesquieu, 1960: 19-20).

Num paralelismo evidente com as teses de Tucídides e da historiografia clássica, necessidade, fortuna e virtude são as categorias-eixo, também na concepção da história de Maquiavel (óbvio, no que toca à dupla fortuna-virtude, o reenvio para o capítulo XXV d’O Príncipe). Estas trazem à luz, com a sua oposição largamente modulada, o paradoxo que invalida a esfera das acções humanas, na qual os fins se quebram contra a legalidade de uma ordem natural, ou contra a contingência dos eventos que simulam uma intencionalidade à qual não corresponde um sujeito identificável. A estrutura teleológica do agir é constantemente desafiada por factores, justamente a necessidade e o acaso, que condicionam negativamente a possibilidade daquela. É a própria experiência desta frustração que faz surgir na consciência a exigência de conhecer melhor aqueles factores, para os dominar e prever, na medida do possível.[7]

Para o reconhecimento do papel da necessidade e da contingência, mas também para a caracterização do elemento humano na história – primeiro como interesse e paixão, e depois como normatividade racional abstracta –, contribuiu o expoente máximo do realismo político no seio da filosofia moderna, isto é, Hegel: «nada veio ao mundo sem o interesse de quantos nele cooperaram com a sua actividade. É possível, contudo, que toda a individualidade, colocando de parte todos os outros interesses e fins que um homem tem e pode ter, se reponha voluntariamente com todas as suas fibras num objecto, concentre todas as suas necessidades e as suas forças num objectivo – nesse caso, o interesse ganha o nome de paixão» (Hegel, 2004: 22)[8].

A montante e a jusante da pretensão positivista de fundar uma ciência capaz de determinar as leis da história, o realismo político nunca abandonou a convicção de que nela seja possível cotejar determinadas uniformidades que dão lugar a esquemas observáveis na vida das mais diversas sociedades. Poder-se-iam fornecer infinitos exemplos desta tese, mas talvez seja suficiente limitar-se a recuperar a icástica formulação de Pareto: «É tão certo que “a história nunca se repete” identicamente quanto é certo que “se repete sempre” em certas partes que podemos considerar como sendo principais» (Pareto, 1964: 832 – II, §2410). Em anos mais recentes, Hans Morgenthau formulou assim o primeiro de seis princípios do realismo político: «O realismo político considera que a política, como a sociedade no seu complexo, é governada por leis objectivas que têm a sua origem na natureza humana» (Morgenthau, 1997: 6).

3. A antropologia

Na base da antropologia política clássica está a ideia do homem como «animal que deseja», onde o desejo age como factor de destabilização daqueles equilíbrios laboriosamente construídos a partir do cálculo racional. É a esfera passional-irracional, o eros, que domina, para o homem grego, o agir dos indivíduos e dos colectivos na história. E é a esperança (elpìs) a gerar as fatais ilusões que, dessa forma, transformam o curso histórico em tragédia. Tucídides, no terceiro livro da História, coloca as seguintes palavras na boca de Diódoto: «Em todos os casos estão presentes a esperança e a cobiça: esta última dirige, enquanto a outra espera. A cobiça é que planeia a decisão; a esperança apoia o sucesso da iniciativa, e ambas são prejudiciais, pois sendo invisíveis, têm muito mais poder do que os perigos que se vêem» (Tucídides, 2013: 290 – III, §XLV, [5]).[9] Em conjunto com a sorte, estes dois sentimentos induzem no homem um estado de exaltação que se poderia definir como a hybris do futuro. E este tema teria conhecido infinitas variações nas tradições políticas ocidentais.[10]

Devemos a Platão a primeira antropologia filosófica realizada, que alimentaria a tradição do realismo político. Na República, é delineada uma antropologia conflitual que assenta no conceito de pleonexia – o querer sempre mais que resulta em prevaricação e opressão. Na sua tripartição da psiche, Platão inclui, como contrapartida poderosa e mesmo preponderante do elemento racional (logistikon), o funcionamento de duas massas energéticas ligadas ao desejo insaciável de gratificações pulsionais (a esfera da epithymetikon) e à agressividade posta ao serviço do orgulho individual (thymoeides), e, portanto, na base da exigência de honra e de reconhecimento (interpretações recentes sublinharam a bipolaridade entre as componentes erótica e timótica desta parte irracional da alma).[11] A antropologia pleonética tornar-se-á, a partir de agora, a base problemática sobre a qual será construída qualquer teoria da justiça. Este facto é muito evidente em Aristóteles: a propósito de quem, para além das considerações do quinto livro da Ética a Nicómaco, seriam recordadas as considerações sobre kerdos e timé como motivos e causas das sedições (Aristóteles, 2009: 1302a-b).

Mas este tronco da antropologia política acabado de talhar já se encontra bem definido na obra histórica de Tucídides. Aí, onde, descrevendo a guerra civil em Corcira, o historiador grego se interroga sobre a causa da eclosão de tanta conflitualidade, recorre aos próprios conceitos de pleonexia e de philotimia, qualificando-os como os motivos de todas as paixões que surgem quando «por todas as formas se batiam para se vencerem uns aos outros» (Tucídides, 2013: 319 – III, §LXXXII, [8]). Noutra passagem, imputa ao abandono dos agentes à epithymia, o fracasso de tantos empreendimentos (Ibid.: V, XIII, [1]). Quando não são apenas os indivíduos, mas as unidades políticas (neste caso, as poleis), que são tomadas em consideração como sujeitos de acção, o léxico de Tucídides torna-se mais abstracto e os motivos da acção política são considerados como a procura da honra (timé), do medo (deos) e da utilidade (ophelia) (Ibid.: I, LXXVII, [2])[12]. Não é difícil reconhecer aqui no medo a busca por segurança, na utilidade aquilo a que os modernos teriam chamado o interesse nacional, na honra o prestígio do poder (no sentido em que é entendido, por exemplo, por Max Weber nas suas páginas sobre a política imperialista) (Weber, 1974: 212ss, vol. II; Triepel, 1949).[13]

Encontramos em Maquiavel (e com não menos legitimidade poder-se-ia falar, com referência ao realismo político moderno, de um “paradigma maquiaveliano”) os mesmos motivos da política identificados por Tucídides: o medo, a avareza e a ambição são também para o secretário florentino as molas da acção política. Um príncipe, observa, é perpetuamente atormentado por dois medos, um interno (conspirações e sedições) e outro externo (as ameaças de inimigos). Também os “grandes” e o “povo” são perpetuamente assediados, os primeiros pelo medo de perderem os seus privilégios, e o segundo a sua liberdade[14]. O resultado de todos estes receios é o frágil equilíbrio de suspeição em que assenta toda a ordem política. Mas a precariedade da ordem política é também o produto das múltiplas avarezas e ambições que agitam a vida social. Nas Histórias Florentinas, que tratam da corrupção nas cidades de Itália, o tema da avareza e da ambição é recorrente e é a razão profunda do conflito e da desordem permanentes. «Daqui nasce aquela avareza que se vê nos cidadãos, e aquele apetite não pela verdadeira glória, mas por honras vituperativas, das quais dependem os ódios, as inimizades, as disparidades, as seitas: das quais nascem as mortes, os exílios, as aflições dos bons, as exaltações dos tristes» (Maquiavel, 1999: 419 – III, 5). Nas categorias “avareza” e “ambição”, recorrentes no léxico político renascentista, encontramos subsumido o conteúdo quer do par tucididiano ophelia e time, quer das articulações da pleonexia platónica.

Com algumas variações e complicações, este léxico dominará também a filosofia social e política da modernidade. Quando, na sua Antropologia Pragmática, Kant submete a uma análise o conceito de poder (o poder de «exercer influência sobre os outros»), distingue o poder das honras, do domínio e do dinheiro, aos quais estão ligadas as três paixões chamadas «ambição, sede de poder, avareza». «A ambição é a fraqueza dos homens, pela qual se pode ter influência sobre eles por meio da sua opinião; a sede de poder é aquela pela qual se pode ter influência por meio do seu medo; e a avareza é aquela pela qual se pode ter influência por meio do seu próprio interesse» (Kant, 1985: 163).[15] É claro que, a partir do século XIX, o desenvolvimento das ciências sociais gerará a necessidade de outras articulações analíticas. Durante um longo período do percurso semântico da modernidade, ganância e avareza, para dar apenas um exemplo, foram considerados termos que remetiam em substância para o mesmo conteúdo.[16] Será o desenrolar das relações económicas capitalistas que tornará necessária uma diferenciação destas categorias.[17]

Não é necessário insistir aqui sobre o pessimismo antropológico de Maquiavel. Mas é importante sublinhar como esta concepção problemática do homem não se baseia apenas na identificação de deficiências morais: «Porque dos homens pode-se dizer que, no geral, são ingratos, volúveis, simuladores e dissimuladores, arredios aos perigos, ávidos do lucro; e enquanto lhes fazes bem eles são todos teus, oferecem-te o sangue, os bens, a vida e os filhos […], quando a necessidade está distante; mas, quando esta se aproxima de ti, revoltam-se» (Maquiavel, 2015: 84 – XVII). Mas também na denúncia das deficiências cognitivas: «[…] e no mundo não existe senão vulgo» (Ibid.: 90 – XVIII). O que torna o mundo da política não menos aleatório e arriscado é a imprevisibilidade do comportamento humano, atribuível a limitações cognitivas como a superficialidade, isto é, o julgamento segundo as aparências, a falta de reflexão e, portanto, a subestimação dos perigos, a preguiça mental e, portanto, a convicção de que as coisas acontecem sempre de forma já experimentada.[18] Tal conservadorismo cognitivo, combinando-se com a inconstância das paixões e o desejo imprudente de inovação, condena o homem a oscilar entre uma vontade excessiva e uma vontade insuficiente para governar os acontecimentos.

4. A concepção do político

A partir de Platão, o campo da teoria política foi definido pela oposição entre uma ideia de política centrada na luta e no conflito antagónico (que não pode ser evitado e é, em última análise, decisivo) e uma noção de política como neutralização e resolução de conflitos, segundo a qual se procura a integração da sociedade através das regras ditadas por um poder que visa a procura da paz e do bem comum. Esta dicotomia, já prefigurada n’ O Político com as metáforas do “estratega” e do “tecelão”, encontra expressão no diálogo entre o cretense Clínias e o ateniense no primeiro livro das Leis, onde se confrontam uma concepção da ordem política orientada para a guerra e uma concepção da ordem política organizada em função da paz. Com acentos que antecipam o realismo de Hobbes e o seu tratamento do estado de natureza como uma condição de bellum omnium erga omnes, Platão coloca aqui na boca de Clínias a tese de que cada unidade política está num estado perpétuo de guerra com todas as outras. Gerar a amizade política é, pois, no relato genealógico do terceiro livro deste mesmo diálogo, o medo suscitado pela ameaça de um inimigo externo poderoso e o medo das leis que, ao longo do tempo, se revelaram capazes de estabilizar a obediência e, assim, preservar a ordem (Platão, 2005: 80ss, 624a-628e).[19]

Tal como o poder, a hostilidade é para o realismo um facto natural do universo político, que é sempre um universo plural. O reconhecimento da originalidade do conflito está inscrito nos pressupostos de todo o pensamento político autêntico. A análise da genealogia da polis que Platão volta a fornecer na República (Platão, 2017: 369b-373e) serve bem para ilustrar este facto. A cidade nasce quando cada um já não se basta a si próprio e surge a necessidade de cooperação. Mas a cidade fundada na necessidade recíproca e na divisão do trabalho acaba por ultrapassar os limites do necessário, visa a satisfação de necessidades cada vez mais artificiais, a apropriação de terras e riquezas, a aquisição ilimitada, e desta hybris aquisitiva nascem tanto a stasis como o polemos. As cidades guerreiam-se umas às outras, mas também se dividem e se separam em duas metades inimigas, a cidade dos ricos e a cidade dos pobres (Ibid.: 551d). Só um poder com certas qualificações é capaz de remediar, mas limitado a um espaço circunscrito, a dinâmica polemogénica dos interesses e das paixões. Da compulsão à ordem nasce a necessidade da hierarquia. Na formulação peremptória de Hobbes: «cada um é inimigo de quem não lhe obedece nem manda» (Hobbes, De cive, IX, 3).

Esta linha de pensamento só encontrou a sua formalização no século XX, com a definição do “critério do político” na obra de Carl Schmitt. Mas que a acção política não é mais do que um modo de acção estratégico de grupos organizados em condições de conflito extremo é uma afirmação que teria parecido simplesmente óbvia a Tucídides ou Maquiavel. «A contraposição política é a contraposição mais intensiva e extrema, e qualquer carácter concreto de contraposição é tanto mais político quanto mais se aproximar do ponto mais extremo, do agrupamento amigo-inimigo» (Schmitt, 2020: 57). Segundo Schmitt, de facto, o político «não designa um âmbito de coisas próprio, mas apena o grau de intensidade de uma associação ou dissociação de homens, cujos motivos podem ser de tipo religioso, nacional (em sentido étnico ou cultural), económico ou outro, e operam, para diferentes tempos, diferentes ligações e separações» (Ibid.: 71; também Schmitt, 1975). Mas se a política é uma luta pela auto-preservação e auto-afirmação das unidades colectivas, então é-lhe intrínseca uma tendência para a prevaricação e o excesso. Inerente às sínteses políticas está a tendência para a guerra. O que Hobbes afirma no De cive (I, 5) relativamente aos indivíduos no estado de natureza («A causa do medo mútuo consiste em parte na igualdade natural dos homens, em parte na vontade de se prejudicarem uns aos outros») aplica-se também a situações de equilíbrio instável no sistema inter-estatal. Na política, a guerra «é o pressuposto sempre presente como possibilidade real que determina o agir humano de um modo peculiar e lhe dá um significado especificamente político» (Schmitt, 2020: 67).

O universo político é, pois, o reino da violência e da coerção: não é o logos, mas o kratos que dita a sua gramática. A violência está na origem não só das guerras, mas também dos regimes políticos, sejam eles de que tipo forem, e projecta a sua longa sombra sobre o destino das constituições e as vicissitudes das gerações. Mas se a violência está na origem das agregações políticas, é em conformidade com este facto da experiência que elas devem ser governadas. O poder consolida-se e estabiliza-se através do direito, isto é, legalizando-se, mas não pode resolver-se na norma desarmada. «A maldade das disposições humanas é evidente para todos; e é também demasiado conhecido pela experiência o quão pouco a consciência da promessa vincula os homens ao seu dever quando o castigo é removido. É por isso que a segurança deve ser proporcionada não por pactos, mas por punições» (Hobbes, De Cive, VI, 4).[20] Além disso, de um modo geral, o poder não pode resolver-se inteiramente no direito sem correr o risco de se autodestruir: deve conservar a prerrogativa de actuar extra-juridicamente e extra-legalmente, portanto não apenas extra-moralmente, e fazer uso da força quando “necessário”. Nascido do aumento e da estabilização do “bando de ladrões” agostiniano (Santo Agostinho, De civitate dei, IV, 4), o poder nunca pode renegar definitivamente essas origens, sob pena de dissolução.[21]

Desta noção conflitual do político derivam, em termos extremos, duas concepções distintas, mas relacionadas, do Estado, precisamente pela sua origem comum no conflito. A primeira vê nele a cristalização de uma relação de tirania e a institucionalização de uma hostilidade estruturalmente ancorada nas relações de produção – é a concepção de Marx (e do marxismo), para quem, como se disse, «o Estado é o reino não da razão, mas da força. É o reino não do bem comum, mas do interesse de uma parte. Não tem como objectivo a vida boa de todos, mas a vida boa dos que detêm o poder. Não é a saída do estado de natureza, mas a sua continuação sob outra forma» (Bobbio, 1999: 53). A segunda vê no Estado a única modalidade histórica possível, ligada a pressupostos sociais específicos que só surgiram na era moderna, de neutralização duradoura da hostilidade original – é a concepção de Carl Schmitt, para quem o Estado surgiu como remédio extremo para a dinâmica auto-destrutiva das guerras civis religiosas e está destinado a perder a sua função pacificadora quando os conflitos se globalizam e assumem a forma de guerra civil mundial. Em qualquer dos casos, porém, o “meio específico” de que o Estado dispõe é a “força”: o que caracteriza o grupo político é a exclusividade do uso da força em relação a outros grupos que entram em conflito na sociedade utilizando outros recursos de poder (Weber, 2005: 65ss).[22]

5. A teoria do ciclo político

A história do pensamento político é a história das representações da ordem, respondendo aos processos de nascimento e de declínio das ordens sociais e políticas (Anter, 2004: 1). É imputável às aquisições do realismo político o facto de ter esboçado uma teoria do ciclo político das constituições e das formas de governo, de que a ciência política histórica ainda hoje se serve. O carácter necessário dos macroprocessos históricos, que a contingência torna imprevisíveis, mas não altera na sua configuração global, inclui também o percurso cíclico das constituições – marcado por quatro fases: fundação, crescimento, estabilização e declínio.

A obra de Tucídides já tinha legado à posteridade duas aquisições fundamentais sobre a esfera política: o reconhecimento da dinâmica imperialista do poder (sintetizada pelo seu conceito de dynamis), por um lado, e da fragilidade das instituições governativas, por outro – predispostas a regular o conflito interno, mas incapazes de suportar o impacto do conflito externo. Platão completa esta tese argumentando que as instituições nascem para estabelecer um equilíbrio entre a vontade de fazer o mal e a vontade de não o sofrer. Mas aqueles que se apoderam das instituições acabam por as utilizar, “dominando os outros”. As instituições, por outras palavras, não são uma resposta definitiva e universalista ao problema da ordem política, uma resposta que beneficie igualmente todos os cidadãos; são uma resposta provisória e parcial, perpetuamente exposta à instrumentalização pelos partidos mais fortes. Do facto de o realismo político ser um historicismo, assente numa antropologia da instabilidade e numa concepção conflitual da política, decorre necessariamente que as formas de governo nunca são concebidas como estáveis, mas como expostas a um ciclo de transformação e corrupção. «Não há dúvida de que a cada um destes regimes [democracia e oligarquia] subjaz um certo teor de justiça; contudo, ambos se encontram induzidos em erro, falando em absoluto» (Aristóteles, 2002: 1301a).

Da teoria polibiana da anakyklosis, retomada por Maquiavel – mas com diferenças de ênfase, visando valorizar a função do conflito entre patrícios, detentores do poder e da riqueza, e plebeus, entre “os que temem perder o adquirido” e “os que desejam adquirir” (cf.: Sasso, 1967: 223-280) –, à teoria do ciclo político de Pareto, o realismo repropôs em inúmeras variações a tese da circularidade imanente dos processos sociais e políticos. As formas simples de governo são instáveis. Mas mesmo os sistemas políticos mais sólidos estão expostos ao risco de desestabilização por parte de potências externas e através do envolvimento em conflitos armados. E, mais uma vez, os realistas revelaram-se investigadores argutos das revoluções que instauram novas ordens e dos processos de corrupção que conduzem à sua dissolução.

Poucos autores, como Maquiavel, se empenharam tanto em desvendar as leis do ciclo político: fundação, crescimento, estabilização, corrupção. A fundação pode ocorrer pelo grande legislador ou através de um processo evolutivo, através do qual as leis e ordens fundamentais são dadas «ao acaso, e por várias vezes e conforme os acontecimentos» (Maquiavel, 2024: 53 [I, 2]). Uma condição de crescimento é, para Maquiavel, a existência de instituições capazes de aproveitar as energias libertadas pelo conflito entre os “humores” da sociedade (e, por humores, Maquiavel entende o entrelaçamento de interesses e paixões atribuíveis a grupos sociais claramente identificáveis), canalizando-as para o exterior. As considerações sobre a história de Roma, exemplo de uma «[…] república que queira constituir um império», giram provocatoriamente, como se sabe, em torno do papel ordopoiético do conflito (Maquiavel, 2024: 64 [I, 5]).[23] Mesmo as sínteses políticas mais dinâmicas precisam de instituições que garantam a sua estabilidade e duração ao longo do tempo: e, para isso, o secretário florentino, na linha de uma tradição consolidada, vê uma solução no dispositivo institucional do «governo misto». Uma grande parte da sua obra é, então, uma investigação etiológica sobre a corrupção e os seus possíveis remédios. Numa página memorável dos Discursos, a antinomia fundamental das políticas destinadas a combater a corrupção é apreendida quando esta afecta conjuntamente as ordens, as leis e os costumes. Regenerar uma ordem corrupta, quer se siga a via das reformas e correcções graduais, quer se adopte uma estratégia revolucionária, “é quase impossível”.[24]

Uma condensação de análises que se inspiram nesta tradição de pensamento pode ser encontrada na filosofia da história de Hegel. O que o atrai é, em tons maquiavelianos, o momento da fundação e da expansão dos Estados, no qual vê afirmar-se o papel dos heróis, os indivíduos histórico-universais. Nos seus tratados históricos, é então dedicado um amplo espaço às dinâmicas da corrupção, que mostram a predominância da subjectividade particular sobre as arquitecturas da mediação institucional.[25] Afinal, Hegel foi, na sua juventude, ao escrever A Constituição da Alemanha, um dissecador implacável do cadáver político do Sacro Império Romano-Germânico. «O edifício do Estado alemão não é senão a soma dos direitos que as partes individuais retiraram ao todo, e essa justiça que vela com tal solicitude para que o Estado não fique sem poder, é a essência da constituição» (Hegel, 1972: 19).

Para a moderna teoria económica das classes sociais, de Smith a Marx, o poder das classes dominantes também enfrenta um declínio à medida que os arranjos produtivos se alteram, dando lugar a novas forças emergentes. Os teóricos das elites, por seu lado, reformularam a mesma ideia no âmbito de uma teoria elementar do ciclo político, cuja versão mais articulada se encontra na obra de Vilfredo Pareto, o qual relaciona este facto com a alteração do equilíbrio social e com a proporção de resíduos (nomeadamente das classes I e II) presentes nas classes eleitas. «As aristocracias não duram. Sejam quais forem as razões, é indiscutível que, após um certo tempo, elas desaparecem. A história é um cemitério de aristocracias» (Pareto, 1964: vol. II, 538 [§2053]). As aristocracias decaem não só quantitativamente, fechando-se sobre si próprias, mas também qualitativamente, «no sentido em que a energia nelas existente diminui e as proporções dos resíduos que lhes serviram para tomar o poder e para o conservar mudam» (Ibid.: 539 [§2054]).

O pré-requisito para a vitalidade das sínteses políticas e o antídoto para a corrupção são boas ordens e boas leis. Em virtude deste pressuposto, os defensores do realismo político são sempre também defensores de um realismo institucional, o qual se preocupa em moldar as instituições e legislar de acordo com as condições dadas e o material humano, tendo em conta as paixões e os interesses, ligando as formas jurídicas à “constituição material”. Por esta razão, a ciência da legislação, que é a ciência das ordens artificiais, passa a ocupar um lugar de destaque em muitas delas. Neste domínio, merecem especial destaque os contributos de Platão, Aristóteles, Bodin e Montesquieu. Limito-me a recordar uma passagem menos habitual de Vico na Ciência Nova: «A legislação considera o homem tal como é, para fazer bons usos dele para a sociedade humana: como da ferocidade, da avareza, da ambição, que põem à deriva todo o género humano, fazem as actividades militar, mercantil e de corte, a força, a opulência e a sabedoria das repúblicas; e destes três grandes vícios, que destruiriam certamente a geração humana sobre a terra, deles faz a felicidade civil» (Vico, 2005: 108-109 [I, II, VII, §132). Interessa aqui sublinhar a recorrência das três grandes molas da acção política (num léxico maquiaveliano, mas também na matriz evidente de Tucídides), a sua qualificação como vícios e a definição da legislação como esse trabalho artificial que transforma os vícios em virtudes e os impulsos autodestrutivos em felicidade civilizada.

6. A praxeologia

No entendimento actual, ao realismo político é negada qualquer dignidade teórica e a sua validade (relativa) é confinada ao domínio prático. Entre a ciência política e a arte de governar, uma tradição persistente abriu um sulco profundo.[26] O da arte de governar é o âmbito, aristotélico, da phronesis, ou, kantiano, da “razão técnico-prática”, que supervisiona as “máximas da prudência”. A prudência é, para os autores realistas, a virtude cardeal, porque é a virtude da acção estratégica e a arte de governar. «A prudência é útil em todos os assuntos humanos», escreve Justus Lipsius, por exemplo, «mas em primeiro lugar no exercício do poder, uma vez que sem ela o poder não só é fraco, mas também, atrevo-me a dizê-lo, nulo» (Lipsio, 2012: vol. I, 213). Mesmo Kant, que denuncia as máximas da razão de Estado, reconhece a possibilidade de encontrar um acordo entre as máximas prudenciais da política e os imperativos da moral.[27]

No conceito de virtude de Maquiavel, reúnem-se os ingredientes fundamentais da concepção realista da política. Virtuoso é o político que sabe lidar com a necessidade e virar a sorte a seu favor, aproveitando a “oportunidade”. E é virtuoso aquele que sabe neutralizar o medo e perseguir a utilidade e a honra. Para Maquiavel, a virtude é a energia e a competência na tomada de decisões, combinadas com o bom senso e a firmeza na execução. Mas é também a astúcia situacional, a capacidade de aproveitar as oportunidades que se apresentam, uma vez que o homem não pode opor-se à fortuna, mas apenas tentar acompanhá-la. Decisiva para a aquisição desta capacidade de julgamento é a experiência, que a partir deste momento se tornará a categoria central do pensamento político moderno (Brodocz, 2007).

Há geralmente duas variantes da praxeologia dos realistas: a procura de regularidades a partir das quais se podem deduzir regras fiáveis ou o cepticismo em relação às regras. Da meditação sobre as histórias antigas e da experiência das coisas presentes, Maquiavel tira conclusões que são muitas vezes desconcertantes na sua peremptoriedade. «E realmente, se a virtude que então reinava e o vício que agora reina não fossem mais claros do que o sol, seria no meu falar mais comedido, duvidando cair naquele engano de que acuso alguns. Mas estando a coisa tão manifesta que cada um a vê, serei corajoso e direi manifestamente aquilo que acharei daqueles e destes tempos, para que os ânimos dos jovens que lerão estes meus escritos possam destes fugir e aprestar-se a imitar aqueles, toda a vez que a fortuna lhes ofereça a ocasião para o fazer» (Maquiavel, 2024: 192 [II, Proémio]). A esta ousada formulação de Maquiavel contrapõe-se a posição céptica de Guicciardini. «É um grande erro falar das coisas do mundo de forma indistinta e absoluta e, por assim dizer, por regra; porque quase todas elas têm distinções e excepções devidas à variedade das circunstâncias, que não podem ser detidas com a mesma medida: e estas distinções e excepções não estão escritas nos livros, mas devem ser ensinadas através do discernimento» (Guicciardini, 2010a: 729). Da constância da natureza humana e das circunstâncias históricas não decorre a possibilidade de identificar regras e máximas fiáveis, porque a mente fica presa às aparências. «Tudo o que foi no passado e é no presente, será no futuro; mas os nomes e as superfícies das coisas mudam de tal maneira que quem não tem bom olho não os reconhece, nem sabe fazer regras ou julgar pela observação» (Guicciardini, 2010d: 750).[28] Nos séculos conturbados da construção dos Estados modernos, no fogo das guerras civis, foram formulações como estas que melhor reflectiram o espírito da época. Para sublinhar a extrema incerteza e imponderabilidade das situações humanas e, consequentemente, a própria aleatoriedade dos preceitos da prudência, contribuiriam mais tarde Montaigne, por exemplo com o seu ensaio Sobre a inconstância das acções humanas, e os autores do Barroco, a começar por Balthasar Gracián.[29]

No entanto, a distância entre as duas abordagens não deve ser exagerada. De facto, todos os realistas partilham a opção por algum tipo de definição racional das estratégias políticas[30] e, ao mesmo tempo, a consciência de que estas nunca oferecem certezas e de que não existem soluções óptimas, ou mesmo sub-óptimas, para os problemas políticos. O que Maquiavel afirma num capítulo d’O Príncipe – e que se encontra entre as suas convicções frequentemente reiteradas – deveria também ter merecido o pleno apreço de Guicciardini. «Nem creia jamais algum estado poder tomar sempre decisões seguras, pense antes ter de as tomar todas incertas; porque na ordem das coisas encontra-se isto, que nunca se procura fugir a um inconveniente que não se incorra num outro. Mas a prudência consiste em saber conhecer a qualidade dos inconvenientes e tomar o menos ruim por bom» (Maquiavel, 2015: 112).[31]

Do estado de saúde, ou do grau de ameaça que afecta um grupo político, depende a natureza das máximas que são sugeridas para a sua auto-preservação. Num universo dominado por relações conflituosas, os meios do poder são a força e a fraude.[32] Cabe ao juízo político decidir quando recorrer a eles, e como dosear a sua utilização: em princípio, o realismo é uma “dieta de poder” e sugere moderação. No entanto, o recurso extremo a estes meios torna-se inevitável em determinadas circunstâncias. É neste ponto que entra em jogo o conceito maquiaveliano da “qualidade dos tempos”, segundo o qual, em tempos de crise e de corrupção, a arte de governar deve recorrer a práticas, modos e máximas que não se justificariam em tempos normais (Maquiavel, 2015, XXV). Daí, em particular, a avaliação diferenciada do recurso à violência em função das circunstâncias, «porquanto se deve repreender quem é violento para estragar, não quem o é para consertar» (Maquiavel, 2024: 78, I, 9).

As receitas radicais de Maquiavel encontraram um admirador convicto em Hegel: «aqui não vale a pena discutir a escolha dos meios, os membros gangrenados não podem ser curados com água de alfazema. Um Estado em que o veneno e o assassínio se tornaram armas habituais não admite uma intervenção correctiva demasiado delicada. Uma vida próxima da putrefacção só pode ser reorganizada com a mais dura energia» (Hegel, 1972: 104). É evidente que, a partir de tais afirmações, os mais ferozes restauradores ou os mais intransigentes subversores de uma ordem sempre puderam tirar justificação dos preceitos do realismo. Mas seria um equívoco tirar daí a conclusão de que o realismo não passa de uma doutrina apologética do poder absoluto.

Na sua substância, o realismo político adopta uma ética da responsabilidade, num sentido estritamente weberiano. Se a ética da intenção é aquela que coloca a fé incondicional nos valores antes da consideração dos resultados que a acção por eles inspirada pode produzir, para a ética da responsabilidade, o cálculo e a previsão das consequências, pelos quais o decisor é chamado a prestar contas, são a prioridade. Se a acção ditada pelas boas intenções parece, à primeira vista, mais autenticamente moral do que a acção utilitarista baseada no cálculo das consequências, na realidade dos acontecimentos históricos verifica-se o contrário (Weber, 2005: 104ss). Isto não significa, porém, que a Realpolitik se possa reduzir a uma mera adaptação ao mundo: ela não ignora as escolhas de valor, mas assume, na medida do possível, a complexidade da relação entre meios e fins (Schluchter, 2009: 106). Precisamente por esta razão, não pode deixar de rejeitar uma mera política de boas intenções: como argumenta Morgenthau, «as boas intenções protegem contra a má política deliberada, mas não garantem nem a bondade moral nem o sucesso político» (Morgenthau, 1997: 10).

7. A crítica das ideologias

Finalmente, o denominador comum das posições atribuíveis ao realismo político é a crítica das ideologias. O pressuposto básico da posição realista é que o homem é um animal ideológico, propenso à falsificação e à auto-ilusão. Para os realistas, o homem é um animal mistificador. Ele não está à altura da realidade em que está condenado a mover-se e, por isso, procura constantemente “colori-la” de uma forma que se adeque aos seus interesses e paixões. Por outro lado, para dominar a realidade, deve mover-se com circunspecção e fingimento, de modo a não expor as suas acções à resistência daqueles que competem com ele pelos mesmos bens escassos ou que, de qualquer modo, lhe são hostis. Mais uma vez, a análise poderia partir de Tucídides e dessa obra-prima de crítica da ideologia que o historiador grego proferiu no diálogo dos Mélios. E poderia regressar a Maquiavel e à sua teoria da aparência ou a Guicciardini e às suas considerações sobre as “brumas do poder”. Os factos do poder não são imediatamente visíveis, mas cobertos, escondidos.

Central para o realista é a dialéctica realidade-aparência. A realidade está escondida, porque os homens não dizem o que fazem e porque escondem com palavras o que fazem com acções. A primeira questão que coloca é então: que realidade se esconde por detrás da aparência? A política não é apenas idealidade, programa, artifício, construção institucional, ficção jurídica, mas um entrelaçamento de interesses, de motivos profundos, de factores irracionais, de tendências a longo prazo. Acima de tudo, a política não é apenas a representação do agir em público, mas tem relações, na maior parte das vezes ocultas ou apenas parcialmente manifestas, com as dimensões do privado e do secreto. O realismo é, portanto, uma análise da política que traz à luz o que está escondido e o que esconde: o privado e o secreto, dos quais fazem parte o imoral e o ilícito.

Na tradição do realismo podem também ser inscritas todas as teorias filosóficas que tematizam a dialéctica do engano e do auto-engano entre a razão e a paixão. A doutrina baconiana dos idola (da tribo, da caverna, da praça, do teatro) é um exemplo famoso. Mas, notoriamente, Pascal insiste também em mostrar que o homem é um animal que engana e é continuamente enganado pela sua razão e pelos seus sentidos. «Estes dois princípios de verdade, a razão e os sentidos, além de carecerem de sinceridade, enganam-se mutuamente; os sentidos enganam a razão com falsas aparências. E esse mesmo engano que trazem à alma, recebem-no de volta; ela vinga-se. As paixões da alma perturbam os sentidos e causam-lhes falsas impressões. Mentem e enganam em competição» (Pascal, 1994: 131). O exame crítico da sofística por Jeremy Bentham (1981) pertence a esta linha de pensamento. E Pareto inspira-se nela, com evidente complacência, com a sua teoria dos resíduos e das derivações.

A representação do “reino da liberdade” marxista, ou seja, de uma condição social liberta da organização coerciva do trabalho e da exploração do homem pelo homem, conduzindo assim a uma sociedade sem classes e sem Estado, está evidentemente tão longe de um pensamento que postula a insuperabilidade das desigualdades, do conflito e do poder como se pode pensar. Mas é indubitável que Marx pertence à família dos realistas, devido à sua concepção materialista da história e à sua teoria da ideologia. «não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou se representam, e também não dos homens narrados, pensados, imaginados, representados, para daí se chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente activos, e com base no seu processo real de vida apresenta-se também o desenvolvimento dos reflexos [Reflexe] e ecos ideológicos deste processo de vida» (Marx & Engels, 1982).

Pareto, distinguindo nos Sistemas Socialistas e no Tratado de Sociologia Geral entre fenómeno objectivo (o facto real) e fenómeno subjectivo (a imagem deformada que o senso comum faz dos factos sociais), e estabelecendo uma ligação entre resíduos e derivações, elaborou uma teoria complexa da génese, estrutura e função do pensamento ideológico como uma “falsa racionalização” do elemento irracional (Bobbio, 1977: 109-122). Com base nesta teoria, Pareto atacou a base filosófica de todas as ideologias da modernidade – mas também a base ideológica da actual democracia constitucional cosmopolita –, nomeadamente a doutrina do direito natural. «Outro belo exemplo de discurso sem qualquer precisão é o das teorias do direito natural e do direito das gentes. Muitos pensadores tiveram um sentimento que exprimiram mais ou menos nestes termos e tentaram depois combinar esse sentimento com os objectivos práticos que queriam alcançar. Como de costume, tiveram grande vantagem em tal trabalho pelo uso de palavras indeterminadas, que não correspondem a coisas, mas apenas a sentimentos» (Pareto, 1964: vol. I, 250, §401).

Subjacente às ideologias modernas e ao projecto utópico da modernidade está o postulado da igualdade dos homens e a fé no potencial da razão para reformar os arranjos sociais num sentido igualitário (embora de formas diferentes e com resultados diferentes). Esta fé entra em conflito radical com um dos pressupostos fundamentais do realismo, a desigualdade ineliminável entre os homens – na propriedade, no poder, na capacidade, no conhecimento. Os homens são desiguais por dotação natural e a sociedade apenas acentua as desigualdades; o reconhecimento das desigualdades é, por outro lado, um factor de integração e de dinamismo, um princípio de ordem e de desenvolvimento das sociedades. Não se pode negar, com base nestes pressupostos, que o realismo se prestou sobretudo a fornecer argumentos para a batalha ideológica dos conservadores, e que nunca deixou de exercer um olhar crítico sobre todas as promessas da modernidade, apenas para se mostrar capaz de acomodar as suas aquisições consolidadas no seu paradigma inclusivo.

Um paradigma que, no entanto, também provou o seu valor quando confrontado com os grandes acontecimentos da história do século passado. Forneceu ferramentas interpretativas válidas para decifrar o curso das revoluções e das ditaduras, para explicar as antinomias e os paradoxos de ambiciosos programas de reforma, para analisar a dinâmica das relações internacionais mesmo na presença de novos e mortíferos factores tecnológicos. As suas categorias são incontornáveis para quem quiser compreender as dinâmicas inquietantes da globalização actual, ou para quem se questionar sobre a utilidade e as perspectivas das chamadas guerras humanitárias, travadas em nome dos direitos humanos ou de outros nobres ideais. Na medida em que se propõe a enfrentar seriamente estes fenómenos, o realismo político constitui um antídoto formidável para o pensamento ideológico. Devolve o lugar devido à gramática do concreto sobre a lógica do abstracto, aos imperativos do interesse sobre os da moral, às razões dos homens (nunca inteiramente resolúveis nas sínteses do colectivo) sobre as do direito e das leis.


[1] Cf.: Morgenthau (2005), Campi (2005), e Campbell (2003). Mas veja-se também Dessì (1993).

[2] «Esta obra imortal é o ganho absoluto que a humanidade extraiu daquela luta» (Hegel, 2004: 223).

[3] Trasimaquea: de Trasímaco, o sofista interlocutor de Sócrates no primeiro livro da República de Platão, que defendia uma teoria “realista” da justiça segundo a qual “justo” é o que convém ao mais forte (NdT).

[4]  Sobre a vertente historiográfica, veja-se o excelente Meister (2013).

[5] Cf.: Münkler (1987: 33), Williams (2006; 2007), Kagan (2009) e Stockhammer (2009).

[6] Cf.: Tucídides (2013: 317-320 – III, §LXXXII-LXXXIII). Sobre esta questão, contudo, cf. também Aristóteles: «As revoltas nascem de minudências, mas não visam minudências: sempre grandes objectivos» (2016: 1303b).

[7] É aqui supérfluo o reenvio à imensa literatura sobre estes conceitos. Limito-me a assinalar, porque pouco notada e injustamente esquecida, a monografia sobre o conceito de necessidade de Kluxen (1967).

[8] Devemos a Hegel, como é de notar, a formulação mais madura do princípio da heterogénese dos fins – que constitui sempre um pressuposto tácito do realismo político: «as paixões apagam-se, concretizam-se e realizam os seus objectivos com base nas suas determinações naturais; deste modo, trazem à luz o edifício da sociedade humana, no qual conferiram ao direito, à ordem, o poder de agir contra elas» (Hegel, 2004: 25).

[9] Sobre as armadilhas da esperança, retorna-se ao cerne do célebre diálogo dos Mélios: «A esperança incita ao perigo, e para aqueles que têm recursos e a ela recorrem, embora lhes inflija perdas, não os destrói. Mas para aqueles que tudo arriscam numa só jogada (a esperança é pródiga por natureza), só se dá a conhecer aos que já estão arruinados, e enquanto houver quem dela ainda se possa defender nunca se mostra como é» (Tucídides, 2013: 512 – V, §CIII, [1]).

[10] Sobre a “solicitação” que leva o homem a tender «para o que agrada, ou a afastar-se do que desagrada», Hobbes escreve: «esta solicitação é o esforço, ou início interno, do movimento animal que, quando o objecto agrada, se chama apetite; quando desagrada, chama-se aversão, se referida a uma repugnância presente; mas quando referida a uma repugnância esperada, chama-se temor» (Hobbes, 1985: 50). V. também: Hobbes (2000: 42), e ainda: «são várias as naturezas dos homens: algumas esperam tanto que assumem por certo aquilo que não têm; outras temem tanto, que nunca esperam se não o tiverem em mão» (Guicciardini, 2010c: 745) – cf.: Bodei (2003).

[11] Sobre a antropologia platónica pleonética, cf.: Vegetti (2007: 52ss, 86ss). Sobre os desenvolvimentos da doutrino do thymos, Sloterdijk (2007).

[12] Sobre o conceito grego de honra: Brüggenbrock (2006).

[13] Sobre toda a questão na sua perspectiva contemporânea: Cesa (1994).

[14] Por questões de síntese, estou aqui a simplificar no que diz respeito à complexidade do léxico maquiaveliano. Um tratamento particular mereceria o motivo da “inveja”. Rinaldo Rinaldi, justamente, anotando o proémio ao segundo livro dos Discursos, observa que o conceito acrescenta um elemento essencial à «fenomenologia negativa da antropologia maquiaveliana: o medo corresponde, de resto, ao desejo de manter, a inveja àquele de conquistar» (Rinaldi, 1999: 724).

[15] Sobre a ambição, Kant escreve que «não é o sentimento de honra […] mas é a luta pelas honras, em que basta a aparência»; sobre a sede de poder, que é uma paixão que «nasce do medo de ser dominado pelos outros, e por isso se dirige a ganhar superioridade sobre eles no tempo»; sobre a avareza, que é um «poder, que se crê suficiente para substituir a falta de tudo o resto» (Kant, 1985: 163-165).

[16] Sobre o par homólogo “ganância” e “ambição”, v. Hobbes (2000: 45).

[17] O ponto é retomado por Simmel (1984: 348), que, na distinção, insiste em relação à dependência destes conceitos do tipo de relações económicas existentes: «Em geral, o nível a partir do qual começa a cobiça propriamente dita será muito elevado quando a economia monetária é muito desenvolvida e apresenta grande vitalidade, e relativamente baixo quando o nível da economia é mais primitivo. O inverso é verdadeiro para a avareza: aquele que, em situações modestas e economicamente estáveis, é considerado parcimonioso e razoável nas despesas, em situações de expansão das relações económicas, caracterizadas por uma rápida rotação, ganhos fáceis e despesas elevadas, aparecerá imediatamente como avarento». E ainda: «a avareza é uma forma de vontade de poder, que ilumina o carácter do dinheiro como meio absoluto (Ibid.: 357).

[18] Uma variação do tema em Guicciardini: «Todos os homens são, por natureza, mais inclinados para o bem do que para o mal, e não há ninguém que, se outro respeito não se lhe opusesse, não fizesse o bem com mais vontade do que o mal; mas a natureza dos homens é tão frágil e as ocasiões que convidam ao mal são tão densas no mundo que os homens são facilmente desviados do bem» (Guicciardini, 2010e: 766).

[19] Cf.: Cambiano, 2007: 245-273.

[20] Mas cf. também Guicciardini: «Se os homens fossem bons e prudentes, aquele que tem a seu cargo os outros usaria legitimamente a doçura em vez da severidade; mas como a maioria não é muito boa nem muito prudente, deve basear-se mais na severidade: e quem o entende de outro modo está enganado» (Guicciardini, 2010b: 741).

[21] Isto não invalida o facto de os realistas reconhecerem a variabilidade do uso da violência em e entre sistemas políticos, dependendo das circunstâncias históricas. Este facto é reconhecido muito claramente por Pareto, quando discute o problema de saber se o direito tem ou não valor para garantir a paz. Contra o hiper-realista, levanta as seguintes objecções: «1) Muitas normas da vida social impõem-se sem o uso da força, e não é absurdo estimar que, se não todas as normas de um certo direito internacional, pelo menos uma parte delas se impõe pela opinião pública, por sentimentos existentes nos indivíduos; e de facto isto já acontece parcialmente. 2) A guerra não desapareceria, mas tornar-se-ia mais rara, se uma força internacional impusesse uma determinada lei; tal como os actos de violência diminuem numa sociedade onde a força da autoridade pública se impõe aos indivíduos» (Pareto, 1964: §1508, vol. II, p. 80). Aqui, o realismo de Pareto encontra-se com o realismo jurídico de Hans Kelsen: cf. Kelsen (2009).

[22] Cf.: «Por Estado entender-ser-á uma função institucional (Anstaltsbetrieb) política, quando o seu quadro administrativo reclama com êxito o monopólio legítimo da coacção física para a manutenção das ordenações» (Weber, 2022: 90).

[23] Mas cf. também: «elogiar a desunião é como elogiar a enfermidade de uma pessoa doente» (Guicciardini, 2010f: 616).

[24] «Porquanto, querendo-se renová-las a pouco e pouco, convém que seja sua causa alguém prudente, que se aperceba de tal inconveniente bastante ao longe, e quando ele nascerá. Como um tal, é facílima coisa que numa cidade jamais surja alguém, e mesmo que ainda assim ele surgisse, não poderia jamais persuadir outrem daquilo que ele próprio pretendesse, porque os homens, habituados a viver de um modo, não o querem mudar, e tanto mais quando não vêem o mal à sua frente, mas tendo este de lhes ser mostrado por conjetura» (Maquiavel, 2024: 105 [I, 18]). As coisas, todavia, não são melhores se a mudança de rumo se impõe de forma abrupta, sob a forma de uma revolução: «Quanto ao inovar destas ordens de uma só vez, quando qualquer um reconhece que não são boas, digo que esta inutilidade, quando facilmente se reconhece, é difícil de corrigir; porquanto, para fazer isto, não basta empregar termos ordinários, uma vez sendo maus os modos ordinários, mas é necessário recorrer ao extraordinário, como o são a violência e as armas, e tornar-se, antes de qualquer coisa, príncipe daquela cidade e poder dispor dela a seu modo. E porque o reordenar de uma cidade ao viver político pressupõe um homem bom, e tornar-se por violência príncipe de uma república pressupõe um homem mau, por isto se encontrará que raríssimas vezes ocorre que um bom, por via má, ainda que seja bom o seu fim, queira tornar-se príncipe; e que um ruim, tornado príncipe, queira trabalhar bem, e que jamais lhe recaia no ânimo empregar bem aquela autoridade que tenha pelo mal conquistado» (Ibid.).

[25] V. ainda: «A subjectividade particular, na sua total selvageria, não tem interioridade, não tem futuro nem passado, não conhece o arrependimento, a esperança, o medo, o pensamento; com efeito, tudo isto comporta determinações e objectivos estáveis, ao passo que aqui toda a determinação é totalmente aleatória. A subjectividade é o desejo, o prazer, a paixão, a invenção do momento, em suma, a arbitrariedade em toda a sua ilimitação» (Hegel, 2004: 262).

[26] Este facto foi novamente reiterado em meados do século XIX por Tocqueville: a ciência (a arte de escrever) sugere «hábitos mentais desfavoráveis à condução dos assuntos. Subjuga-os à lógica das ideias, enquanto a multidão só obedece à das paixões. Dá-lhes o gosto pelo fino, pelo delicado, pelo engenhoso, pelo original, enquanto o que move o mundo são lugares-comuns grosseiros» (Tocqueville, 1994: 442).

[27] Cfr.: «A política diz: “Sede prudentes como a serpente”; a moral acrescenta (como condição limitativa): “e sem falsidade como as pombas”» Kant (2020: 164).

[28] Porém, podem ser encontradas oscilações semelhantes na literatura mais recente, se compararmos a orientação cripto-nomotética de grande parte da ciência política e afirmações de matriz historicista, por exemplo, em: «No domínio da acção política […] quase não existem leis: as competências são tudo» (Berlin, 1998: 92).

[29] Cf.: «As histórias estão mais cheias de acidentes do que de exemplos de experiência» (Gracián, 2003: 51). Ver ainda: «A prudência política é semelhante a um Proteu, do qual não se pode ter um conhecimento seguro senão depois de ter descido à secreta senis e de ter contemplado, com um olhar fixo e seguro, todos os seus diferentes movimentos, figuras e metamorfoses» (Naudé, 1992: 106).

[30] «O realismo político contém não só um elemento teórico, mas também um elemento normativo. Sabe que a realidade política está cheia de elementos contingentes e de irracionalidades sistémicas e sublinha as suas influências típicas na política externa. Mas partilha com toda a teoria social a necessidade de realçar, para salvar a compreensão teórica, os elementos racionais da realidade política, uma vez que são precisamente estes elementos que tornam a realidade inteligível para a teoria» (Morgenthau, 1997: 15).

[31] Além disso, Maquiavel também se inclinava para a opinião mais acreditada no seu tempo «devido às grandes modificações das coisas que se têm visto e se vêem todos os dias, fora de toda a humana conjectura», com base na qual «as coisas do mundo são de tal modo governadas, pela fortuna e por Deus, que os homens com a sua prudência não as podem corrigir, nem têm, aliás, remédio algum para tal» (Maquiavel, 2015: 122), é claro a partir do argumento do capítulo XXV d’O Príncipe, com a sua aposta quase pascaliana: «porque o nosso livre-arbítrio não foi extinto, julgo poder ser verdadeiro que a fortuna seja árbitra de metade das nossas acções, mas que ela também nos deixe a nós governar a outra metade, ou quase» (Ibid.). Há também aqui muitas variantes possíveis – e é uma questão de acentos – do realismo fatalista e do realismo trágico.

[32]   Um topos clássico, que dos gregos e latinos chega a Maquiavel e aos modernos, e que em Pareto encontra uma insistente repetição. Aristóteles já observava: «os regimes podem ser alterados, quer recorrendo à violência, quer à fraude» (Aristóteles, 2016: 1304b).

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Como citar este artigo

Portinaro, P. P. “Realismo Político”. Dicionário de Filosofia Moral e Política (2025), 3.ª série, coord. António Marques, André Santos Campos e Giovanni Damele. Lisboa: Instituto de Filosofia da Nova, URL: <http://www.dicionariofmp-ifilnova.pt/realismo-politico>


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DOI: https://doi.org/10.34619/kycu-wjz1


Publicado em: 6 de maio de 2025

Pier Paolo Portinaro

Università degli Studi di Torino

<pierpaolo.portinaro@unito.it>


Tradução do italiano: Inês Pinheiro