razão de estado

1. Razão de Estado e maquiavelismo

A proeminência do sintagma “razão de Estado” deve-se, principalmente, à popularidade – em particular, ao longo do século XVII – da obra originariamente intitulada Della ragion di Stato [Da razão de Estado], de autoria do jesuíta italiano Giovanni Botero, publicada em 1589.[1] Um título que, aliás, contribuiu para a difusão da própria palavra “Estado”, no seu significado político-jurídico, cujo uso já havia sido consagrado por Maquiavel no incipit d’O Príncipe.[2] Mas esta relação contingente não é a única existente entre os dois livros. Há, de facto, outra mais substancial. A obra de Botero apresentava-se como uma refutação explícita d’O Príncipe de Maquiavel, então alvo de censura eclesiástica, sendo incluído no Index librorum prohibitorum (o que contribuía ulteriormente para a má fama do secretário florentino, chegando até ao ponto de o qualificar como um autor demoníaco). Apesar dessa aberta contraposição, desde muito cedo as expressões “razão de Estado” e “maquiavelismo” começaram a ser consideradas, quando não sinónimas, pelo menos duas faces da mesma abordagem “realista” e “cética” (quando não mesmo “cínica”) à política. Um bom exemplo desta consolidada tradição é o livro publicado por Friederich Meinecke em 1924 sobre o tema da “razão de Estado” na história moderna, cujo primeiro capítulo é, justamente, dedicado a Maquiavel. O próprio título do livro, Die Idee der Staatsräson in der neueren Geschichte [A Ideia da Razão de Estado na História Moderna], foi significativamente alterado, acrescentando uma referência ao “maquiavelismo” aquando da primeira tradução inglesa, publicada já nos anos cinquenta do século XX (Meinecke 1957).  

Qual será, então, a relação entre as duas expressões? Em primeiro lugar, é preciso referir como a ideia daquela que será sucessivamente chamada “razão de Estado” surge no contexto da discussão renascentista acerca da existência de uma específica arte (isto é, técnica) da política, independente da moral e dos mandamentos da religião. Desta discussão, como é sabido, Maquiavel é um dos principais protagonistas.[3] Contudo, é a Francesco Guicciardini, interlocutor privilegiado, conterrâneo e contemporâneo de Maquiavel, que se costuma atribuir uma das primeiras atestações da expressão, com o significado que lhe é tradicionalmente atribuído. Numa significativa passagem do Dialogo sul Reggimento di Firenze (escrito entre 1521 e 1526), podemos ler a seguinte consideração:

A derrota final que os genoveses infligiram aos pisanos, perto da Meloria,[4] afligiu Pisa de tal maneira que nunca mais ela recuperou a sua força, e isto aconteceu porque os prisioneiros, que eram muitíssimos, nunca foram liberados. Daí adveio que Pisa não se pudesse valer não apenas dos prisioneiros, que acabaram por morrer no cativeiro, mas também das gerações que teriam nascido se eles tivessem voltado para Pisa. E se alguém disser que quem fizer isto teria fama de crueldade e também de falta de escrúpulos, concordaria com uma e outra coisa: mas acrescentaria que, hoje em dia, quem quer conservar os domínios e os Estados tem de mostrar piedade e bondade, quando puder, mas quando não puder tem de ser cruel e sem escrúpulos. […] Contudo, quando falei de matar ou não soltar os pisanos, talvez não falei como um bom cristão, mas de acordo com a razão e o uso dos Estados (Guicciardini 1970: 463-65).[5]

O episódio é referido, com claro intuito exemplificativo, por Bernardo del Nero, que, no diálogo, representa a parte medicea, ou seja, o partido da signoria florentina dos Médici. A contraposição entre “arte do Estado” e moral tradicional (de cariz religioso) é ainda mais clara quando Bernardo, algumas linhas mais abaixo, relembra, dirigindo-se ao porta-voz dos ottimati (os oligarcas) Piero Capponi, como o trisavô dele, Gino, julgava ser necessário que os Dieci della guerra (a magistratura florentina que detinha o pelouro da defesa e da guerra) «amassem mais a pátria do que a própria alma, sendo impossível administrar os governos e os Estados, querendo-os manter na maneira como se mantém ainda hoje, com base nos preceitos da lei cristã» (Guicciardini 1970: 464).[6]

Nestas poucas linhas, podemos encontrar alguns aspetos relevantes para a reconstrução de uma história da ideia da “razão de Estado”. O primeiro é o da sua “modernidade”, expressada na conexão com a consciência da secularização da arte do governo que se foi afirmando na primeira modernidade. Que a esta consciência corresponda uma evolução também do ponto de vista das práticas, ou apenas o franco reconhecimento de uma realidade que sempre existiu, é questão que não interessa aqui, pois o ponto crucial é, justamente, a tematização desta secularização. Num seu texto anti-maquiavélico (mas não necessariamente anti-maquiaveliano), Jacques Maritain identificou esta passagem como uma tomada de consciência de uma prática comum do poder de todos os tempos, que emancipou assim os políticos de qualquer sentimento de culpa a ela associado.[7] Noutras palavras, encontra-se em autores como Maquiavel e Guicciardini uma precoce atestação da ideia da “razão de Estado” como ideia caraterística da modernidade, que acompanha o processo de formação do Estado moderno e que é fruto de uma evolução do pensamento europeu que se coloca entre a Idade Média tardia e o Renascimento.

A esta emancipação corresponde a ideia da autonomia da “técnica de governo”. Neste caso, Maquiavel é uma referência inescapável e direta. O paradigma é representado pela famosa alusão à “arte dello stato” (arte do Estado) que aparece numa passagem da celebérrima carta escrita a Francesco Vettori no dia 10 de dezembro de 1513, em que o secretário florentino faz menção à composição d’O Príncipe (um livro de principatibus, isto é, literalmente, “sobre os principados”), acrescentando que «por esta obra, se fosse lida, se veria que os quinze anos em que estudei a arte de governar o Estado [arte dello stato] não os passei dormindo nem jogando» (Maquiavel 1971b: 1160).

“Arte” é palavra que entra no léxico do italiano e das outras línguas românicas através da palavra latina ars, que, por sua vez, corresponde à palavra grega tekne. Neste âmbito, apenas é possível fazer uma rápida referência ao debate platónico, antes, e aristotélico, depois, acerca da “neutralidade” das técnicas. Num seu recente livro dedicado à obra de Maquiavel, Carlo Ginzburg reenvia, apropriadamente, à Ética a Nicómaco de Aristóteles, na versão comentada por Donato Acciaioli que se encontrava na biblioteca do pai de Maquiavel, Bernardo, na qual o próprio Acciaioli realça em particular a distinção entre prudência (prudentia) e arte (ars) através do exemplo da retórica, aristotelicamente definida como técnica de persuasão sobre tópicos contrapostos («ars disserendi et oratoria est potens ad probandum et suadendum contraria interdum de eodem») (Ginzburg 2018: 57).[8] Esta definição, por sua vez, reenvia à interpretação da retórica que Platão atribui a Górgias, que, no diálogo homónimo, opõe às objeções de Sócrates a analogia entre arte do discurso e arte da luta: o treinador que ensina a técnica da luta não pode ser responsabilizado pelos usos imorais que dela fazem os seus discípulos. Assim, o tema da amoralidade da arte do Estado desenvolve-se no contexto do debate acerca da amoralidade das técnicas em geral, isto é, da sua indiferença perante as questões morais que sobrelevam do seu âmbito de competência.[9]

Os conceitos de “arte do Estado” e de “razão de Estado” têm assim em comum a interpretação da política como uma disciplina caracterizada por uma normatividade própria, por uma racionalidade instrumental e por objetivos autónomos (a “salvação” ou o bem-estar do Estado). Assim sendo, os “estadistas” deverão ser julgados, em primeiro lugar, com base na capacidade que têm (ou não têm) de dominar a técnica e de atingir os objetivos. A literatura seiscentista sobre o tema da “razão de Estado” não seria senão uma forma de “maquiavelismo” disfarçado, uma tradução das ideias do secretário florentino em termos menos escandalosos e frequentemente associados a uma homenagem – cada vez mais formal e superficial – à moral tradicional de origem religiosa. Apesar da explícita oposição ao maquiavelismo, as teses de Botero poderiam, em suma, ser consideradas como uma versão menos provocatória, mas também menos sincera, da defesa da especificidade da política e dos seus problemas.

2. Arcana imperii

Botero não fora o primeiro a tentar uma revisão do maquiavelismo de acordo, tanto com os ditames da Contrarreforma católica, como com a teoria do absolutismo moderno. Por um lado, o diplomata veneziano Paolo Paruta, entre outros, já havia tentado reconduzir, no seu livro Della perfettione della vita politica (1579), a “virtude” maquiavélica a uma nova coerência entre política e moral. Também para Paruta, era preciso reconhecer que a “fortuna” maquiaveliana é inelutável e influencia de maneira determinante a vida humana. Essa influência deverá então ser contida e, de qualquer forma, disciplinada através da “prudência”, típica aplicação da “arte política” que garante a conservação da ordem e do equilíbrio do Estado. Por outro lado, o próprio Botero desenvolveu as suas teorias tendo como pano de fundo sobretudo a teoria da soberania de Jean Bodin e uma ideia – esta, sim, ausente em Maquiavel – do Estado que é já moderna. Com esses autores, noutras palavras, o maquiavelismo renascentista, que sempre teve como referência o modelo proto-moderno da cidade-Estado italiana, traduz-se numa nova doutrina – a “razão de Estado” – não apenas oportunamente adaptada aos ditames contrarreformistas, mas também, e sobretudo, às exigências do absolutismo monárquico. Daí o enorme sucesso dos prontuários de máximas e instruções idealmente dirigidos aos monarcas, da literatura dos specula principis (“espelhos para príncipes”) e dos arcana imperii (“segredos do Estado”) que apareceram sobretudo ao longo do século XVII e particularmente nos países católicos. Textos como Della dissimulazione onesta do italiano Torquato Accetto (1641), Oráculo manual y arte de prudencia (1647) do espanhol Baltasar Gracián, ou o Testament politique do Cardeal Richelieu (1688) representam autênticos manifestos da razão de Estado e clássicos dessa literatura.

Entretanto, entre as últimas décadas do século XVI e as primeiras do XVII, o foco da polémica muda de região: de Itália para a França. Figura central dessa transição é outra Médici: Catarina, rainha consorte de França frequentemente identificada como a principal responsável da “Noite de São Bartolomeu”, a chacina dos huguenotes que abalou Paris e muitas províncias do reino na noite de 23 para 24 de agosto de 1572. Será este acontecimento traumático a desencadear um debate sobre os limites do exercício do poder, no qual intervêm, para além do próprio Jean Bodin, autores como François Hotman, que defende a tese da delegação da soberania – que pertence ao povo – ao monarca (Franco Gallia, 1573), Innocent Gentillet, que escreve o seu Discours d’Estat (1576) contra Maquiavel, mas também contra Catarina de Médici, ou Philippe Duplessis-Mornay e os chamados “monarcómacos”. Um debate, pode dizer-se, que encontra o seu exponente em Gabriel Naudé, com as suas Considerations politiques sur les coups d’État (1639).

Nos textos seiscentistas dedicados à razão de Estado, em particular nos textos franceses, é frequente a citação de uma máxima comumente atribuída ao rei Luís XI: “qui nescit dissimulare, nescit regnare” (“quem não sabe dissimular, não sabe reinar”) (Bakos 1991). Os temas da dissimulação, do segredo, da hipocrisia, encontram-se no próprio núcleo desta tradição teórica, que participa, deste ponto de vista, na conceção teatral do mundo típica do barroco. Torquato Accetto definia a dissimulação como a habilidade de não deixar ver as coisas tais quais são: simula-se o que não é, dissimula-se o que é.[10] E o silêncio, para Baltasar Gracián, era “o santuário da prudência”. No sexto dos seus Ensaios incluídos na terceira edição (publicada em 1625), dedicado à “simulação e dissimulação”, Francis Bacon articulava essa prática em três graus: segredo (ou reserva, ou discrição), dissimulação, simulação. O segredo – a “arte do confessor” – é louvável e até virtuoso (quando oposto à desfaçatez) e é, portanto, uma arte política e moral ao mesmo tempo. A dissimulação – que disfarça, faz que os outros pensem que não somos o que somos – está relacionada com o segredo e pode ser admitida em determinadas situações. A simulação – a ficção e, no fundo, a mentira – é “a mais culpada e a menos política” das três, e só pode ser admitida em casos excecionais. As três práticas conseguem surpreender os inimigos, desviando a sua atenção, e induzem os outros a revelar mais do que queriam. Têm, porém, algumas desvantagens: geram desconfiança, retiram credibilidade e, finalmente, induzem os demais a não colaborarem. Mas, sobretudo, para que a dissimulação e a simulação funcionem, é preciso ter fama de sincero. Assim, Francesco Guicciardini lembrava, na sua Storia d’Italia (livro VI, capítulo 5) como Júlio II, ao fazer as promessas que lhe permitiram ganhar o conclave, sabia muito bem «que ninguém engana os outros com maior facilidade do que quem costuma e tem fama de nunca os enganar».[11] A dissimulação – resumia ainda o próprio Guicciardini nos Ricordi – é censurável, mas por vezes necessária e útil. A melhor solução é, portanto, cultivar o hábito da sinceridade e da lealdade, ganhando assim uma reputação de franqueza, útil depois para enganar os outros, sempre que for preciso. Ter fama de sinceridade, hábitos de discrição, capacidade de dissimular e, em casos extremos, também de simular é, portanto, a melhor condição. Como todas as artes e os preceitos da razão de Estado, a “dissimulação honesta” não ignora nem os ditames da moral nem as circunstâncias da vida real. Vive, assim, numa zona de penumbra entre norma e exceção que é o domínio da casuística.

3. Prudência e casuística

A dissimulação, de resto, acabou por ser praticada pelos próprios teóricos da “razão de Estado”. A condenação eclesiástica do maquiavelismo obrigou desde muito cedo os maquiavelianos católicos a disfarçar as suas posições atrás de um prudente comentário da obra do historiador romano Tácito. Exemplar admirável desta tradição, chamada, depois, “tacitismo”[12], são os Discorsi sopra Cornelio Tacito (1594) de Scipione Ammirato. O livro tem como ponto de partida o tema, maquiaveliano, do conflito entre o rigor e a perentoriedade das regras morais, o carácter quase axiomático das leis gerais, por um lado, e a variabilidade, a imprevisibilidade e a complexidade das contingências, por outro. Para salvaguardar a norma, é preciso evitar generalizações apressadas e, ao mesmo tempo, definir limites claros entre regra e exceções. Na verdade, há, atrás dessa preocupação, um dúplice nível de conflito: entre a invariabilidade da lei moral e a artificialidade da lei positiva, em primeiro lugar, e, em segundo, entre a rigidez da norma (tanto moral como jurídica) e a força da realidade. Tanto Maquiavel como Botero são considerados, por Ammirato, autores ambíguos, precisamente pela insuficiente definição dos limites que devem existir entre a regra e as suas exceções. A arte do “bom governo” não se pode transformar numa prática arbitrária e oportunista do poder – a “razão de Estado”, dito de outra forma, não pode legitimar as violações mais brutais das leis da moral e do direito, não pode coincidir com a sistemática perversão da norma, cujo resultado final seria a desagregação das instituições e, em última instância, da própria sociedade. O primeiro limite, portanto, deveria ser a distinção entre vantagem individual de quem governa e vantagem coletiva do corpo político. Como alternativa ao uso ocasional e oportunista ora das prescrições morais e jurídicas, ora do poder arbitrário, a “razão de Estado” coincide, mas apenas em caso excecionais, urgentes, com o franco reconhecimento da impossibilidade de conciliar os princípios com as suas concretas aplicações e, portanto, com a justa necessidade, para salvaguardar o bem comum, de desviar da norma para garantir novamente, depois do desvio, a sua vigência. Quem governa deve saber governar em situações excecionais, imprevistas e, portanto, de lacunas normativas: tem de assumir a responsabilidade superior de lidar com a urgência. Mas esta responsabilidade, inescapável e suprema, deve ser acompanhada da consciência do carácter extraordinário do uso extra legem do poder. Esta é a razão de Estado: um poder de derrogação, e não a norma da governação, no dúplice sentido sugerido pela palavra “norma”: no sentido, isto é, de normal e habitual e de obediente às leis (morais e jurídicas). Mesmo a plenitudo potestatis tem limites que não podem ser ultrapassados e só pode explicar a sua – justamente – plenitudo em situações anormais.

A “macrobiótica política” – a arte de prolongar a vida do Estado – implica, em primeiro lugar, uma teratologia: a capacidade de diagnosticar corretamente as “monstruosidades” e as “anormalidades” da vida social geradas pela pressão da realidade e de intervir pontualmente para as remover. A razão de Estado é, noutras palavras, uma casuística: implica tanto conhecimento da regra como a consciência da coação das exceções e a capacidade de lidar com elas. Arnold Clapmarius verá assim no ius dominationis um poder de transgressão, de ultrapassar as prescrições, embora sempre em nome de um superior interesse (De arcanis rerum publicarum libri VI, 1605). A ratio Status implica uma avaliação firme dos arcana, do uso excecional do poder. Assim, enquanto ratio não pode ser, em bom rigor, um caso de anomia, mas sim uma normatividade alternativa. Deveria ser possível, através um exercício de taxonomia, classificar os arcana para definir uma “normatividade da exceção” que permita controlar o exercício do poder também nas situações de emergência. O ius dominationis baseia-se, assim, numa classificação entre arcana imperii, as prescrições que dizem respeito à salvaguarda de uma determinada forma de governo, e arcana dominationis propriamente ditos, que dizem respeito à salvaguarda do próprio poder soberano. Uma classificação artificiosa e flutuante, que deixa sempre aberta a possibilidade de disfarçar um exercício meramente discricionário do poder com o obséquio a uma normatividade de ordem superior (salus rei publicae suprema lei esto: «que a salvação do Estado seja a lei suprema», diz-se parafraseando Cícero[13]).

Gabriel Naudé – embora recorrendo à autoridade de Charron – admitia francamente que «para fazer justiça nas coisas grandes é preciso às vezes afastar-se dela nas coisas pequenas e para fazer o correto em geral é permitido fazer o injusto nos detalhes», assim que «para muitos» o príncipe sábio e atento é o que «não apenas sabe comandar com base nas leis, mas também comandar às próprias leis». Palavras, essas, escritas num texto dedicado ao tema do “golpe de Estado” e à sua necessidade, em casos extremos, para evitar perigos e tragédias ainda maiores. Exemplo de golpe de Estado oportuno era justamente, para Naudé, a “noite de São Bartolomeu”: para não ter tido as condições necessárias para um único golpe resolutivo como esse, os alemães entraram em décadas de violentíssima guerra religiosa, que aos franceses foi, dessa forma, poupada. Em Naudé, o elogio do golpe de Estado é cercado de cautelas: é uma medida defensiva e não ofensiva. Mas é uma derrogação de qualquer formalismo e sobretudo um sacrifício dos interesses (e dos direitos) privados em prol do – suposto – interesse público. É uma “execução que precede a sentença”, que deverá depois ser justificada à luz da salvaguarda do corpo político, não mostrando satisfação, mas pena para a necessária intervenção.[14]

É, novamente, o eterno Maquiavel: a resolução é a virtude de quem governa e é preciso evitar as vias intermédias. Se não for possível fazer o bem, que o mal seja feito até ao fim, cumprindo com as necessidades requeridas pelo supremo interesse da salvação do corpo político. E é mais uma ambiguidade, uma dicotomia da razão de Estado, que por um lado prega a moderação, a “dietética do poder”, o uso não excessivo do poder em condições normais, e por outro defende o uso resolutivo da força em condições excecionais. O “golpe de Estado” alterna-se à prudência, que é, em Naudé, como nos outros representantes desta tradição, a suprema virtude política. Haverá, portanto, uma prudência ordinária e uma extraordinária, e esta última será a que preside aos “golpes de Estado”. Quem governa deve avançar com um passo que aos outros pode, por vezes, parecer apressado e desregulado, mas que pode ser necessário e legítimo.[15] Mais uma vez, o problema é o das fronteiras. Por muito que se possam delinear classificações mais ou menos artificiosas – Justus Lipsius dedica os capítulos 13 e 14 do quarto livro dos seus Politicorum civilis doctrinae libri sex (1592) a uma descrição minuciosa da fraude e das circunstâncias do uso da prudência –, permanecerá sempre uma zona cinzenta entre casos “normais” e “anormais”, na qual o uso arbitrário do poder pode proliferar.

4. Realpolitik

Se a marca da razão de Estado é a ambiguidade, exemplo cabal desta atitude terá sido Frederico o Grande, rei da Prússia, que ao escrever uma obra anti-maquiavélica até no título exerceu a sua própria hipocrisia numa maneira hiper-maquiavélica, escamoteando, conforme dizia Maritain, o cinismo com a virtude (Maritain 1942: 1). Ao relembrar o exemplo de Frederico II, Maritain repetia, quase literalmente, a crítica ao falso anti-maquiavelismo do monarca prussiano avançada por Kant numa nota da sua Antropologia.[16] Mas é num outro seu texto político, Para a paz perpétua, que Kant critica mais sistematicamente a “razão de Estado”, condensando-a, para o efeito, em três máximas: fac et excusa, si fecisti nega, divide et impera. A última, claramente expressa por Maquiavel no capítulo 25 do II livro dos Discorsi, é uma técnica tradicional de domínio. As outras duas, como se viu, integram o núcleo da doutrina da razão de Estado. Mas a referência a Frederico II permite introduzir uma outra versão desta tradição: a Realpolitik prussiana, e depois alemã.

Botero havia começado o seu livro com uma dúplice e essencial definição: «o Estado», dizia o jesuíta piemontês, é um «domínio firme» sobre os povos e «a razão de Estado» é o conhecimento «dos meios aptos para fundar, conservar e ampliar um tal domínio» (notizia de’ mezzi atti a fondare, conservare ed ampliare un dominio) (Botero 2009: 7). Mais de três séculos depois, Friedrich Meinecke chama a razão de Estado de «primeira lei do movimento» do Estado. O interesse de Meinecke pela influência da razão de Estado na história moderna provinha do seu principal objeto de estudo historiográfico: o processo de unificação alemã e as suas raízes na história intelectual alemã dos séculos XVIII e XIX, um processo que ele interpretava a partir de uma conceção “organicista” do Estado, visto como uma «estrutura individual com a sua própria característica maneira de viver». O Estado é “uma estrutura orgânica” cujo poder depende da sua capacidade contínua de crescer. A razão de Estado «indica tanto a direção como o objetivo desse crescimento» e «diz ao homem de Estado o que deve fazer para preservar a saúde e a força do Estado» (Meinecke 1957: 1). Isto significa, em primeiro lugar, considerar os «padrões estruturais» e o «ambiente» em que um Estado «vive». A razão de Estado opera, assim, numa constante tensão – diz Meinecke numa prosa filosófica caracteristicamente neo-kantiana – «entre o reino do ser e o reino do dever ser», entre uma «conexão causal», que pertence ao âmbito dos factos, e uma «teleológica» que pertence ao âmbito dos valores e dos fins (Meinecke 1957: 2). Para além do objetivo último representado pelo bem-estar do Estado, outros objetivos revindicam igual incondicionalidade: a lei moral e a ideia de justiça. Mas entre estes objetivos, entre uma abordagem realista e utilitarista e uma idealista, entre o exercício do poder, de um lado, e a ética e a justiça, do outro, não é possível traçar um limite definido (Meinecke 1957: 3). «Kratos e Ethos juntos constroem o Estado» e, portanto, a razão de Estado «flutua» constantemente «entre comportamentos exigidos pelo impulso de poder e comportamentos exigidos pela responsabilidade moral», entre «luz e trevas» (Meinecke 1957: 4-6). O Estado é uma «criatura anfíbia que habita em simultâneo os mundos ético e natural» (Meinecke 1957: 16). A doutrina da razão de Estado entrelaça sentimentos egoístas e comunitários, guerra e paz, morte e vida, dissonância e harmonia, constituindo-se, assim, como «a base perfeita e o essencial fundamento do conhecimento para toda a história e a arte de governo em geral» (Meinecke 1957: 18). O poder «pertence à essência do Estado»: o seu exercício permite proteger a comunidade e fazer justiça. Ele é indiferente ao bem ou ao mal, mas está sempre sujeito à tentação do seu uso arbitrário (Meinecke 1957: 13). Os seus intérpretes originários são Maquiavel, obviamente – que analisa a essência da razão de Estado na sua integridade a partir de um monismo “ingénuo” que vê no poder quase uma força da natureza – e Bodin, outro anti-maquiavélico que, como Botero, tenta forçar o maquiavelismo numa nova normatividade, neste caso no modelo do Estado moderno, através de uma adequada teoria da soberania, com a função de incorporar no modelo do Estado constitucional as exigências do exercício do poder. Contudo – nota Meinecke – qualquer tentativa de estabelecer os limites legais e morais do próprio poder do Estado permanece ao nível de um idealismo que não pode ignorar o realismo maquiavélico (Meinecke 1957: 63). Mais uma vez, Meinecke vê em Bodin a subjacente ambiguidade da constante tensão entre kratos e ethos, a fisionomia ancípite da “razão de Estado”. Apenas Maquiavel, com a sua franqueza, com a sua paradoxal ingenuidade, com o seu monismo centrado na figura do “poder” parece escapar a qualquer ambiguidade. Mas, ao mesmo tempo, parece ver apenas uma face do problema.

O interesse de Meinecke no tema da razão de Estado representava ao mesmo tempo o ápice e a reconsideração post res perdita (para utilizar uma expressão autobiográfica maquiaveliana: «depois de ter perdido tudo») da reflexão alemã acerca da Realpolitik de Frederico II, antes, e do chanceler Bismarck, depois. Nos anos sucessivos à derrota na primeira guerra mundial e à conturbada implantação da república de Weimar, Meinecke refletia sobre a razão de Estado a partir da história ao mesmo tempo intelectual e factual da unificação imperial alemã. Assim, acertava contas com o Treitschke das Vorlesungen über die Politik, para o qual «a conservação da potência é, portanto, sem mais, para o Estado um dever moral, incomparavelmente elevado» (Trocini 2009) ou com Droysen, que via na ciência política uma “doutrina do poder” (Machtlehre) (Guerra 2016). Nesses autores – para os quais o Estado era, em primeiro lugar, Machtstaat, “Estado-potência” – era possível encontrar a definitiva inversão da crítica moralista anti-maquiavélica. O Estado, nas suas ações, não é “imoral” nem “amoral”, não porque deve ser sujeito à moral tradicional, mas porque responde a uma outra moral, de ordem mais elevada: a “moral do Estado” (Staatsmoral) enquanto diferente da (e, eventualmente, oposta à) “moral privada” (Privatmoral). A passagem da amoralidade e da imoralidade da política para a eticidade da política poderá, assim, utilizar como pano de fundo filosófico-jurídico a teoria hegeliana do direito público, para a qual o bem-estar do Estado tem uma justificação de todo diferente do bem-estar do indivíduo e a “substância ética”, neste caso o próprio Estado, encontra a sua justificação imediatamente numa existência concreta que serve de princípio de ação e de comportamento, princípio, portanto, distinto dos “pensamentos universais” tidos por preceitos morais. Supremo mandamento ético para o Estado é, noutras palavras, o dever de autoconservação (Hegel 2008: 314).

Serão dois representantes típicos do realismo político alemão oitocentista, Gervinus e Rochau (este último, autor da própria expressão Realpolitik) a deduzir as devidas conclusões dessas premissas. Para Gervinus, quem quer ter sucesso no mundo da política tem de se habituar a não confundir o mundo da política e o da moral: «há sem dúvida uma moral política», um limite que a razão de Estado não deve ultrapassar para não se tornar vício, «mas é também certo que nas conjunturas extraordinárias devem ser concedidos à moral do Estado outros limites que não os que são concedidos à moral privada» (Trocini 2009: 89-92). Os limites da moral do Estado, noutras palavras, ultrapassam os limites da moral privada. Ou, como dizia Rochau, o dever supremo que o Estado tem à sua própria conservação «empurra para o fundo as normas da moral». Acrescentando logo que «não se quer afirmar que a política é separada do dever moral, mas apenas que há um limite, onde o respeito factual dessa moral acaba» (Trocini 2009: 89-92). Em suma, embora reinterpretada nos sentidos de uma suposta articulação entre “moral privada” e “moral do Estado”, também a reflexão acerca da Realpolitik apresenta-se como mais uma versão da eterna luta entre ethos e kratos. Conforme reconheceu, com eficácia, Meinecke, o destino da razão de Estado reside nas suas dicotomias e vive nas suas contraposições éticas (entre ação e pensamento, interesse individual e coletivo), jurídicas (entre poder e direito, realidade empírica e sistema normativo) e metafísicas (entre necessidade natural e ordem moral, natureza e espírito e, finalmente, irracional e racional).

Ao criticar a interpretação de Meinecke da história da razão de Estado, Carl Schmitt alertava para a aplicação desse conceito à realidade política entre os séculos XIX e XX.  O “Estado” e as suas “razões” na época do absolutismo esclarecido e da “política de gabinete” tinham um significado e um estilo diferentes do que na época democrática, onde – diz Schmitt – a política é, pelo menos por metade, tecnologia da opinião pública. Contudo, é fácil encontrar reflexos da doutrina da razão de Estado e do debate acerca do poder de derrogação na posição defendida pelo próprio Schmitt no contexto da polémica acerca do “guardião da constituição” e do artigo 48 da Constituição da Alemanha de Weimar. Mais em particular, na interpretação desse artigo como previsão de uma forma de ditadura constitucional: uma intervenção necessária (tal como a de um deus excitatus) nos “estados de exceção”, que põe à luz a verdadeira essência do poder e ao mesmo tempo a genuína origem do fenómeno jurídico, isto é, o poder de tomar uma decisão não condicionada por normas prévias, discricionária e baseada no efetivo exercício da força. O poder é, portanto, um ato originário de império que poderá ser, sucessivamente, institucionalizado para dar, assim, origem a uma nova normatividade (ou a uma “renovação” da velha) (Schmitt 2017).

A ligação entre esta conceção do fenómeno jurídico e a tradição da razão de Estado foi evidenciada, implicitamente, por Hans Kelsen, que, ao criticar o dualismo entre Estado e ordenamento jurídico (que se encontra na base da teoria de Schmitt), notava como ele era funcional à invocação instrumental e oportunista do “interesse” ou da “razão de Estado” sempre que as consequências da aplicação do direito fossem indesejáveis para quem detém o poder. Kelsen mostrava, assim, a radical contraposição existente entre Machtstaat (Estado-potência) e Rechtstaat (Estado de direito), entre uma conceção do Estado onde é o rei quem “faz” a lei (rex facit legem) e uma em que, ao contrário, é a lei que “faz” o rei (lex facit regem), entre, em palavras mais singelas, “governo dos homens” e “governo das leis” (Kelsen 1973). A dicotomia fundamental de Meinecke, kratos e ethos, traduz-se assim na dicotomia entre kratos e nomos, entre o facto do poder e a normatividade jurídica.


[1] Em dez livros, publicada em Veneza (“appresso i Gioliti”).

[2] «Tutti gli stati, tutti e’ dominii che hanno avuto e hanno imperio sopra gli uomini, sono stati e sono o republiche o principati» («Todos os Estados, todos os domínios que tiveram e têm poder absoluto sobre os homens foram e são repúblicas ou principados»): assim o incipit do primeiro capítulo (Quod sint genera principatuum et quibus modis acquirantur) do Príncipe (Maquiavel 2008: 89). O uso da palavra “Stato” (Estado) com este significado foi portanto consagrado mas não inaugurado por Maquiavel, que evidentemente registava um uso já difuso e que, aliás, o alternava com civiltà. Sobre este ponto, v. Sergio Landucci (2014: 28-29), que apresenta como prova da relação entre a difusão da palavra “Estado” e a do sintagma “razão de Estado” o exemplo de Hermann Conring que, apesar de nunca utilizar a palavra “Estado” isoladamente, é autor de uma Dissertatio de ratione status; v. também Quentin Skinner (1978: 349 e seg.) e sobretudo Maurizio Viroli (2007).

[3] Uma formulação tradicional – e, desde então, clássica – da teoria maquiaveliana como teoria da autonomia, e portanto da amoralidade (diferente da imoralidade), da política pode ser encontrada em Benedetto Croce, segundo o qual encontra-se afirmada em Maquiavel a necessidade e a autonomia da política, para além (ou aquém) do bem e do mal moral, e das suas leis inelutáveis, que não é possível “exorcizar e expulsar” com “a água benta” (uma paráfrase da famosa máxima que Maquiavel atribuía a Cosimo de Medici: «os Estados não se mantêm com os paternostri [terços] nas mãos» (ver infra n. 6): «la necessità e l’autonomia della politica, della politica che è di là, o piuttosto di qua, dal bene e dal male morale, che ha le sue leggi a cui è vano ribellarsi, che non si può esorcizzare e cacciare dal mondo con l’acqua benedetta» (Croce 1931: 251).

[4] Ilhota próxima do porto de Pisa, onde a armada genovesa infligiu a derrota decisiva à armada pisana, no dia 6 de agosto de 1284. Pisa nunca mais recuperou a sua condição de antiga potência e Génova afirmou-se, desde então, como talassocracia dominante no Mar Tirreno e única rival de Veneza nas rotas mediterrâneas. O exemplo era relevante do ponto de vista florentino porque também Florença encontrava-se num conflito secular com Pisa, nunca conseguindo obter uma vitória decisiva.

[5] Tradução e ênfase do autor.

[6] O tema da contradição entre arte de governo e preceitos da religião cristã é, também, tipicamente maquiaveliano e é condensado na máxima segundo a qual “os Estados não se governam com o pai-nosso” (ver supra n. 4), que Maquiavel atribuía a Cosimo de Medici: «rispose […] che gli stati non si tenevono co’ paternostri in mano» (Maquiavel 1971: 643). O mesmo tema será, depois, um dos paradoxos (discutidos e criticados por Montesquieu em Do Espírito das Leis) de Pierre Bayle, que na Continuation des Pensées Diverses sur les Cometes (1704) admitia ser impossível que um Estado de verdadeiros cristãos fosse capaz de se defender e desenvolver social e economicamente, por causa dos princípios do pacifismo e da caridade (Bayle 1737: 360, § cxxiv); v. também Montesquieu (1979: 238).

[7] «Machiavelli lifted into consciousness this ethos of his time and this common practice of the power politicians of all times. […] Before Machiavelli, princes and conquerors did not hesitate to apply […] every kind of crime […] to the attainment of power […].  But in so doing they felt guilty, they had a bad conscience—to the extent that they had a conscience. […] A specific kind of unconscious and unhappy hypocrisy […]  a certain amount of self-restraint, […] that deep and deeply human uneasiness which we experience in doing what we do not want to do and what is forbidden by a law that we know to be true, prevented the crimes in question from becoming a rule» (Maritain 1942: 2).

[8] E, ainda, sobre a distinção entre “prudência” como princípio do “agir” e “arte” como princípio do “fazer”: «unus est principium agendi idest prudentia, alter principium faciendi idest ars». Segundo Ginzburg, aliás, as expressões “arte dello stato” e “politica” (ou “vivere politico”, em Discorsi, I, VI) tinham para Maquiavel significados diferentes ou até opostos (Ginzburg 2018: 57 e 59).

[9] Na nova consciência do Estado como construção artificial e deliberada, isto é, do “Estado como obra de arte” (“Der Staat als Kunstwerk”) e não como instituição “dada” por deus ou pela tradição, Jacob Burckhardt via um dos atributos típicos da modernidade que enumerava no seu livro A cultura do Rinascimento em Itália (Burckhardt 1860). Independentemente da correspondência dessa ideia com a realidade histórica, ela tornou-se num topos da interpretação tradicional contemporânea da obra de Maquiavel. Será suficiente citar, como exemplo, o já referido artigo de Maritain de 1942: «Finally, the “grammar of power” and the recipes of success written by Machiavelli are the work of a pure artist, and of a pure artist of that Italian Renaissance where the great heritage of the antique and Christian mind, falling in jeopardy, blossomed into the most beautiful, delightful and poisonous flowers. What makes the study of Machiavelli extremely instructive for a philosopher, is the fact that nowhere is it possible to find a more purely artistical conception of politics» (Maritain 1942: 7).

[10] «La dissimulazion è una industria di non far veder le cose come sono. Si simula quello che non è, si dissimula quello ch’è» (Accetto 1997: 27).

[11] «Niuno più facilmente inganna gli altri, che chi è solito et ha fama di mai non gl’ingannare» (Guicciardini 1981: 594); sobre o mesmo tema, ver os Ricordi (Guicciardini 1970: 773-74 e 807).

[12] A expressão difunde-se em língua italiana sobretudo a partir da obra do crítico literário Giuseppe Toffanin (1921).

[13] “Salus populi suprema lex esto” (“que o bem do povo seja a lei suprema”), De legibus, IV.

[14] «Beaucoup tiennent que le Prince bien sage et avisé, doit non seulement commander selon les loix; mais encore aux loix mêmes, si la nécessité le requiert. “Pour garder justice aux choses grandes”, dit Charron, “il faut quelque fois s’en détourner aux choses petites, et pour faire droit en gros, il est permis de faire tort en détail”» (Naudé 1752: 19).

[15] «Il faut sçavoir, comme dit Charron, que la justice, vertu et probité du Souverain chemine un peu autrement que celle des particuliers, elle a ses allures plus larges et plus libres à cause de la grande, pésante et dangereuse charge qu’il porte, c’est pourquoi il lui convient marcher d’un pas, qui peut sembler aux autres détraqué et déréglé, mais qui lui est nécessaire, loyal et legitime» (Naudé 1752: 93).

[16] «Aquele grande monarca, ao mesmo tempo que confessava em público ser apenas o supremo servidor do Estado, não podia esconder, suspirando, o contrário em sua confissão privada, embora com a desculpa para a sua própria pessoa de que a responsabilidade por tal corrupção devia ser atribuída à má raça chamada espécie humana» (Kant 2006: 226-227).

Bibliografia

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Outros artigos

Estado; Governo; Poder.


Como citar este artigo

Damele, G. “Razão de Estado”. Dicionário de Filosofia Moral e Política (2021), 2.ª série, coord. António Marques e André Santos Campos. Lisboa: Instituto de Filosofia da Nova, URL: <http://www.dicionariofmp-ifilnova.pt/razao-de-estado>


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DOI: https://doi.org/10.34619/31wq-z631


Publicado em: 1 de Fevereiro de 2021

Giovanni Damele

FCSH, Universidade Nova de Lisboa

<giovanni.damele@fcsh.unl.pt>