Genocídio

Poucos neologismos cunhados em âmbito jurídico conheceram, na época contemporânea, a difusão e a popularidade do termo “genocídio”. A razão mais imediata para tal impacto pode ser encontrada no simples facto de este termo ter, com efeito, vindo a preencher uma lacuna. Difundiu-se no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, ficando intimamente ligado à atrocidade sem precedentes do extermínio da população judaica europeia (Shoah), mas não se limitou a denominar um crime típico do século XX. Por um lado, estendeu-se às épocas anteriores, permitindo designar com uma palavra nova um crime antigo. Por outro, permitiu definir um tipo de crime passível de aplicação a casos futuros. Raphael Lemkin, o jurista que cunhou o termo e propôs uma primeira definição do conceito, queria, entre outras coisas, ultrapassar os propósitos de uma “justiça de exceção”, como a do julgamento de Nuremberga, e fornecer instrumentos jurídicos sólidos e úteis para prevenir o surgimento de “Hitlers do futuro” (Lemkin 2013: 118). Contudo, a popularidade do termo não se deve apenas à infausta frequência com a qual aparecem novos atos passíveis de serem qualificados, juridicamente, como genocídios. Ao contrário do conceito alternativo e complementar de “crime contra a humanidade”, introduzido – como veremos – no mesmo contexto e no mesmo período, e em parte com os mesmos objetivos, “genocídio” emergiu do léxico técnico-jurídico do direito penal internacional para entrar no do discurso político e no debate público. Adquiriu assim um significado mais abrangente e, por vezes, a função de um grito de batalha, ou de uma palavra de ordem. Mas esta evolução não surpreende, uma vez que o significado político e o significado jurídico entrelaçam-se na história do conceito e da palavra.

Esta entrada será dividida em três partes. A primeira tentará fazer uma rápida genealogia da palavra e do conceito, delineando também o contexto em que surgiram. A segunda será dedicada à história da positivação do conceito, isto é, à sua dimensão mais especificamente jurídica, culminada na Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, aprovada pelas Nações Unidas em 1948. A terceira alongar-se-á sobre a sua dimensão mais política. Embora o termo ainda não tenha alcançado um século de vida, a literatura sobre o genocídio é muito extensa e os genocide studies são hoje uma disciplina autónoma, no cruzamento entre ciências políticas e historiografia. Será, portanto, impossível, num texto que não deixa de ter a dimensão e as ambições limitadas de uma entrada de dicionário, esgotar o tema ou até aprofundar os detalhes. Acrescente-se que o intuito desta entrada não é tanto o de analisar os pormenores jurídicos da tipologia penal, quanto o de abordar o conceito do ponto de vista da filosofia política: perspetiva, aliás, menos estudada do que outras (Spencer 2019: 199-200). O intuito é, assim, o de fornecer ao leitor uma introdução, para, eventualmente, aprofundar o tema autonomamente.

1. «Novas conceções requerem novos termos»

A história da palavra “genocídio” começa, oficialmente, em 1944, com a publicação de Axis Rule in Occupied Europe. O autor, Raphael Lemkin, era um advogado e jurista judeu-polaco, nascido na atual Bielorrússia (então Império Russo), formado em Direito na atual cidade ucraniana (mas nessa altura polaca) de Lviv e refugiado desde 1941 em Nova Iorque, nos Estados Unidos, onde veio a morrer em 1959, com 59 anos de idade. Era, portanto, oriundo daquela vasta área geográfica que se estende entre a Europa central e a Rússia e que, pela sua história violenta, marcada por conflitos e contínuas alterações de fronteiras, mereceu o apelido de bloodlands (Snyder 2010). Assim, Lemkin conheceu desde muito cedo a experiência da violência dirigida a um grupo humano enquanto tal (que viria depois a conceptualizar na sua obra). Na sua autobiografia, relata o terror causado pelos frequentes episódios de violência antissemita, entre os quais o cruento pogrom de Bialystok, em 1906 (Lemkin 2013: 17). Neste dado biográfico, que mais tarde o levaria, entre outras coisas, a entrar em contacto com o movimento sionista[1], pode-se encontrar a origem da missão[2] de toda a vida de Lemkin: definir os instrumentos jurídicos para prevenir e, se necessário, punir a violência coletivamente exercida por um grupo humano contra outro. Mas a preocupação de Lemkin inseria-se também num debate mais amplo, suscitado pelas ainda recentes experiências da Primeira Guerra Mundial, cuja letalidade deixou indeléveis e profundas marcas  emocionais (mas também uma difusa habituação à violência) nos europeus, e, sobretudo, no contexto do extermínio dos arménios da Anatólia, perpetrado pelas autoridades otomanas entre 1915 e 1923, ao qual se juntava ainda uma nova vaga de pogroms levados a cabo, sobretudo contra a população judaica da atual Ucrânia, durante a Guerra Civil Russa (1918-20). O próprio Lemkin refere, frequentemente, os assassínios do político turco Talat Pasha pela mão do arménio Soghomon Thelirian, em 1921, em Berlim, e do político nacionalista ucraniano Symon Petliura pela mão do anarquista judeu Sholomon Shwartzbard, em 1926, em Paris, como dois eventos que chamaram a sua atenção para a necessidade de soluções jurídicas para atrocidades perpetradas contra grupos humanos (Lemkin 2013: 21-22).

No período entreguerras, Lemkin especializou-se em direito penal e internacional e, em outubro de 1933 enviou à “V.ª Conferência Internacional para a Unificação do Direito” de Madrid (organizada sob a égide da Sociedade das Nações) um texto em que propunha a instituição de novos crimes no âmbito do direito internacional (vandalisme e barbarie, no original francês)[3]. A tónica colocada na dimensão coletiva e não individual do crime (tanto do ponto de vista dos perpetradores, quanto, e sobretudo, do das vítimas), demonstram como já estivesse a procurar as palavras e os conceitos mais adequados para definir atos criminais que não visam indivíduos como tais, mas como membros de um determinado grupo.

Com o eclodir da Segunda Guerra Mundial e a invasão alemã da Polónia, em 1939, Lemkin fugiu inicialmente para Vilnius, e daí para a Suécia neutral. Aqui deu início a uma obra de recolha das disposições jurídicas que regulamentavam a ocupação alemã nos territórios conquistados. Seria a partir deste material que construiria Axis Rule, uma obra que Hans Kelsen viria a definir, na sua breve recensão de 1946, como «a mais confiável coleção de textos de leis e decretos das potências do eixo e dos seus regimes fantoches, promulgados para governar as áreas ocupadas pelas suas forças militares na Europa» (Kelsen 1946: 271). Da Suécia, usando um passaporte para apátridas e aproveitando um convite da Duke University de Durham, alcançou finalmente os Estados Unidos atravessando, por comboio, a União Soviética até Vladivostoque, e depois passando pelo Japão e pelo Canadá (Portinaro 2018). Nos Estados Unidos, sem um trabalho académico estável, mas associando a atividade de publicista à de consulente de organizações governamentais, Lemkin dedicou-se primeiro à composição, e depois à promoção, do seu magnum opus. Apesar de não ter conseguido o papel desejado na definição das bases jurídicas do tribunal militar internacional de Nuremberga, a sua enérgica atividade de lobbying, tanto junto de diplomatas e políticos como da imprensa (Barrett 2010: 37), levaria finalmente à aprovação da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio em 1948, o mesmo ano da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Com ela, o “genocídio” deixou de ser um mero conceito teórico e alcançou uma dimensão jurídica ao nível do direito internacional. Nos anos seguintes, Lemkin só conseguiria obter trabalhos ocasionais em âmbito académico, mas continuaria a colaborar com as Nações Unidas para conseguir o número de ratificações estaduais necessário para que a Convenção entrasse em vigor, o que finalmente viria a acontecer em 1951. Acabaria por morrer em condições precárias, por enfarte, em 1959, deixando inédita a autobiografia sobre a qual estava a trabalhar, e que viria a ser publicada, postumamente, apenas em 2013, bem como uma vasta obra inédita dedicada à história do genocídio.

Mas qual é o significado e a abrangência da palavra “genocídio”? A etimologia reenvia à combinação entre o sufixo “-cídio”, do latim caedo (matar, ato de matar), com o prefixo “geno-” que, por sua vez, vem da palavra grega genos [γένος]. Esta última é, normalmente, traduzida por “povo”, mas o seu significado deve ser precisado. No âmbito jurídico anglo-saxónico, difundira-se, antes da publicação de Axis Rule, o termo denationalization, que viria a ter algum reconhecimento jurídico em sedes oficiais. Era um termo que definia, inicialmente, a revogação do estatuto jurídico e político a um grupo humano, integralmente. Embora este ato pudesse levar a práticas de perseguição violenta, não abrangia necessariamente a eliminação física do mesmo grupo[4]. Por outro lado, a língua alemã já conhecia a palavra Völkermord, que se pode traduzir como “assassínio de um povo” e que, aliás, já tinha sido usada para descrever a perseguição do povo arménio (Lepsius 1980 [1919]). A opção terminológica de Lemkin é, contudo, mais específica. O grego antigo, ao qual Lemkin se dirigiu para cunhar o neologismo, apresentava três possíveis variações para “povo”: demos, ethnos e, justamente, genos[5]. Ora, enquanto demos reenvia para uma dimensão mais institucional (o significado, poder-se-ia dizer, “político” ou “cívico” de “povo”) e ethnos, pela sua maior abrangência, é frequentemente associado à identidade (cultural, linguística, religiosa) de um grupo humano, genos reenvia para a dimensão biológica (a tribo, o clã ou, ainda, a “raça”). Ao optar por este último, Lemkin escolhia focar a atenção sobre a correlação estrita entre a dimensão cultural/identitária e a dimensão biológica, que ele identificava nas práticas de extermínio que estava a considerar – isto é, entre a destruição da identidade de um povo e o seu aniquilamento físico. Por esta razão, Lemkin considerava também inadequados termos como “germanização” ou “italianização”, que indicam a imposição da identidade nacional da nação ocupante nas terras ocupadas ou anexadas. Com efeito, estes termos priorizam os aspetos culturais, económicos e sociais do genocídio, negligenciando o aspeto biológico, que diz respeito a políticas que causam o declínio físico, ou até a destruição da população visada (Lemkin 1944: 80). Para denominar um crime associado à prática planeada e consciente de aniquilamento de um inteiro grupo humano, Lemkin julgava ser preciso um novo termo.

Porém, um neologismo não é nada sem a sua definição. Depois de ter repetido que «novas conceções requerem novos termos», Lemkin, no IX e último capítulo (Genocide) da primeira parte do livro (German Techniques of Occupation), esclarecia: «por genocídio, entendemos a destruição de uma nação ou de um grupo étnico». E logo precisava: «genocídio não significa, necessariamente, a imediata destruição de uma nação, exceto quando realizada por assassínios em massa [mass killings] de todos os [seus] membros». O termo indica, portanto, «um plano coordenado de diferentes ações, que visam à destruição das bases essenciais da vida de grupos nacionais, com o objetivo de aniquilar os próprios grupos». Os objetivos de um plano deste tipo seriam: «[a] desintegração das instituições políticas e sociais, da cultura, da linguagem, dos sentimentos nacionais, da religião e da existência económica de grupos nacionais, e a destruição da segurança pessoal, da liberdade, saúde, dignidade e até das vidas dos indivíduos pertencentes a estes grupos». Assim sendo, as práticas de genocídio são «dirigidas contra grupos nacionais como entidades, e as ações envolvidas são dirigidas contra indivíduos, não na sua condição individual, mas enquanto membros do grupo nacional» (Lemkin 1944: 79). Estavam assim delineados os diferentes níveis envolvidos, da perspetiva de Lemkin, na qualificação deste crime: o político, social, cultural, moral, religioso, económico e físico-biológico. Se este último se apresentava como particularmente relevante na conceptualização de Lemkin, os outros não eram secundários. As práticas de genocídio envolveriam a destruição das instituições de autogoverno de um grupo nacional (por exemplo, através da colonização), o afrouxamento da sua coesão social (nomeadamente matando ou aprisionando as elites sociais e intelectuais), a perda da sua autonomia económica (proibindo atividades económicas ou explorando recursos), ou ainda atentados contra a sua identidade nacional (banindo atividades culturais, dificultando ou impossibilitando a educação das novas gerações, proibindo a língua ou a prática da religião do grupo). Quanto à dimensão físico-biológica, não se limitaria ao caso de assassínios em massa, mas envolveria outras ameaças à sobrevivência física do grupo, como políticas de despovoamento ou carestia planeada. Lemkin insistia, finalmente, sobre a articulação deste fenómeno em duas fases inseparáveis: a destruição da identidade nacional do grupo oprimido e a imposição da do grupo opressor.

Tem sido notado como esta definição pode ser considerada, ao mesmo tempo, limitada e abrangente (Moses 2010: 21). Por um lado, Lemkin parecia insistir sobretudo no carácter “nacional” dos grupos, deixando assim dúvidas sobre a qualificação de atos análogos cometidos em detrimento de grupos não nacionais (pelo menos no sentido tradicional da palavra). Por outro, incluía na definição (e este elemento de novidade era particularmente importante) não apenas atos dirigidos à destruição física de um grupo humano, mas também atos contra a identidade sociocultural e as condições gerais de vida (Schabas 2009: 30). Um ulterior elemento de originalidade, mas também um aspeto problemático, era a dimensão duplamente coletiva, tanto do lado da vítima como do perpetrador, que se refletia na adesão de Lemkin à tese da culpa coletiva. Com efeito, abordando o problema das reparações, Lemkin defendia que elas não deviam incluir apenas aspetos jurídicos e económicos, mas também «relevantes considerações políticas baseadas na responsabilidade coletiva do povo alemão, considerado como um todo» (Lemkin 1944: XII, itálico meu)[6]. Em parte, como se verá, esta dimensão coletiva constituirá um dos aspetos problemáticos não só do conceito em si, mas também da sua aplicação em âmbito jurídico.

2. «Um vento favorável»

No seu clássico Postwar, Tony Judt realçou como o debate jurídico posterior à Segunda Guerra Mundial (e a experiência da Shoah e dos totalitarismos nazi-fascistas) se tem focado no problema da proteção dos indivíduos, reconhecendo que, mesmo que determinadas pessoas tenham sido perseguidas enquanto membros de um grupo étnico (judeus, ciganos, polacos…), estas devem ser protegidas como indivíduos titulares de direitos individuais. Este debate, que começou por levar à aprovação das convenções de 1948 sobre os direitos humanos e sobre o genocídio, na ONU, combinaria, segundo Judt, uma visão radicada no iluminismo anglo-saxónico e baseada na proteção dos direitos individuais, com uma ênfase nas obrigações do Estado em assegurar um âmbito cada vez maior de reivindicações, posição esta mais típica do debate europeu a partir do segundo pós-guerra (Judt 2005: 565). O trabalho de Lemkin tem sido, sem dúvida, uma parte relevante deste debate. Todavia, a história não foi tão linear como Judt parece sugerir.

Tem sido frequentemente notado como, apesar da publicação de Axis Power e da incansável atividade de promoção do próprio Lemkin, o conceito de “genocídio” tem ocupado um papel meramente secundário no contexto do julgamento de Nuremberga. A dificuldade das equipas jurídicas que prepararam o julgamento principal em lidar com um conceito que não lhes era familiar, e que não se encaixava nas categorias jurídicas tradicionais, tornou-se evidente não só pelo lugar marginal ocupado pela categoria de genocídio, mas também pelo facto de não surgir, como poderia ser expectável, no ponto 4 do ato de acusação (“crimes contra a humanidade”), mas sim no ponto 3 (“crimes de guerra”). Neste último (na secção A: Murder and Ill-Treatment of Civilian Populations of or in Occupied Territory and on the High Seas), pode ler-se a acusação de «genocídio deliberado e sistemático, isto é, […] extermínio de grupos raciais e nacionais, contra a população civil de certos territórios ocupados, com vista a destruir determinadas raças e classes de indivíduos e grupos nacionais, raciais e religiosos, mais em particular judeus, polacos, ciganos e outros» (Schabas 2009: 43). Ocasionalmente, o termo também foi usado durante o processo. Num caso frequentemente citado, o procurador-geral britânico Sir David Maxwell-Fyfe recorreu ao termo genocídio (neste caso, perpetrado contra o povo checo) no contrainterrogatório de Konstantin von Neurath, Reichsprotektor da Boémia e Morávia entre 1939 e 1941. Nessa ocasião, Maxwell-Fyfe não se limitou a usar o termo, mas fez uma referência direta à definição contida em Axis Power (Schabas 2009: 43). Esta referência é particularmente interessante, pois insiste sobre um elemento crucial da definição de Lemkin, isto é, o facto de as práticas de genocídio não coincidirem necessariamente com a eliminação física de um grupo humano inteiro, mas poderem ter como objetivo a destruição cultural de um povo por meio da eliminação (ou da expulsão ou aprisionamento) da sua elite intelectual (Earl 2013: 324-325).

Lemkin ficou, contudo, frustrado com a falta de reconhecimento oficial do carácter autónomo do crime de genocídio, e ainda mais com o facto de ter sido considerado uma subcategoria dos crimes de guerra. Na sua autobiografia, Lemkin tendeu a atribuir este desfecho às «discórdias e loucuras» dos aliados que ainda permaneciam, depois dos anos da guerra. O jurista obteve, pelo menos parcialmente, o apoio da delegação americana, e em particular do procurador chefe pelos Estados Unidos, Robert H. Jackson, por oposição aos restantes países, cujas representações foram menos reativas. O facto de Lemkin não ser um membro da elite jurídico-académica protagonista, nessa altura, do debate no âmbito do direito internacional, terá provavelmente tido alguma influência. É lícito colocar-se a hipótese de que as equipas jurídicas que prepararam o julgamento tenham pensado que seria contraproducente acrescentar uma inovação lexical às inovações técnico-jurídicas que o processo, no seu conjunto, já acarretava.

As objeções, contudo, não se limitavam a questões técnico-jurídicas. De forma a perceber os pontos em questão é preciso recuar ao debate entre as duas guerras sobre a possibilidade de ilegalizar a guerra de agressão, e sobre a elaboração de novos conceitos jurídicos no âmbito do direito internacional, que abrangessem atos violentos que vitimizassem multidões. O ponto de viragem fora, novamente, a perseguição do povo arménio. Ainda num contexto bélico, em 1915, França, Reino Unido e Rússia emitiram uma declaração conjunta sobre estes acontecimentos, definindo-os como “novos crimes… contra a humanidade e a civilização” (Portinaro 2018: 67). A expressão “crimes contra a humanidade” começara a circular nas décadas anteriores e já tinha sido aplicada às atrocidades perpetradas pelos colonizadores belgas no Congo (Schabas 2009: 20, n. 15). Contudo, com esta declaração, entrou oficialmente num documento de direito internacional. Durante os mesmos anos em que Lemkin procurava uma solução juridicamente viável para punir a destruição de um grupo étnico ou nacional, outros juristas procuravam conceitualizar juridicamente os “crimes contra a humanidade” no contexto do debate mais geral sobre a criminalização da guerra de agressão. Entre estes, o mais importante e o que, de facto, viria a exercer muito mais influência na elaboração da fundamentação jurídica do julgamento de Nuremberga, era Hersch Lauterpacht[7]. Fora sobretudo Lauterpacht, juntamente com Hans Kelsen (que enviou um relatório a Robert H. Jackson em julho de 1945), a insistir sobre a possibilidade de construir a acusação no julgamento de Nuremberga com base no princípio da responsabilidade individual, e não no da responsabilidade coletiva (sobre o qual Lemkin instava no seu livro), e foi o trabalho de Lauterpacht sobre o conceito de “crimes contra a humanidade” a fornecer uma alternativa juridicamente viável ao “genocídio” como crime contra grupos específicos (Hataway & Shapiro 2017: 268, 282). Esta alternativa continua a persistir, mesmo que a sua relevância possa agigantar-se desproporcionalmente no debate público, por oposição ao âmbito jurídico.

Seja como for, o julgamento de Nuremberga consagrou o uso jurídico, embora com um papel ainda marginal, da palavra “genocídio”. Lemkin decidiu continuar a sua ação de lobbying, desta vez no seio da Organização das Nações Unidas, onde, desde 1946, já estava ativa a comissão de redação da futura Declaração Universal dos Direitos Humanos. Na sua autobiografia, Lemkin relata a sensação de “abertura mental” que se podia viver neste período em relação às questões humanitárias. Assim, decidiu, como o próprio afirma metaforicamente, pôr o seu «pequeno barco sob um vento favorável» (Lemkin 2013: 121). O seu objetivo era obter um reconhecimento jurídico oficial que fosse além das intenções da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, apesar de considerar como um passo importante, não deixava de ver como insuficiente.

Um reflexo desta evolução, mas também do apoio que Lemkin conseguiu encontrar, em particular nos círculos jurídico-políticos americanos, é o uso do termo depois do julgamento de Nuremberga, em dois dos doze processos militares de Nuremberga, que se seguiram ao processo principal e foram celebrados sob a tutela dos Estados Unidos, em cujo setor de ocupação se encontrava a dita cidade alemã. Processos estes que decorreram, portanto, antes da Convenção Sobre o Genocídio de 1948. Em particular, os processos VIII e IX, respetivamente contra membros do Departamento Central da Raça e Colonização (RuSHA) e dos Einsatzgruppen das SS[8], envolviam atos e práticas conexas com a política racial e de extermínio do Terceiro Reich. Em ambos os casos, o crime de genocídio foi contemplado, e perfilado, desta vez, sob a mais ampla categoria de “crimes contra a humanidade”.

Entretanto, a ONU já tinha qualificado o genocídio, com a resolução n.º 96 do dia 11 de dezembro de 1946, como «crime under international law». O rascunho da Convenção, elaborado com a assessoria de um grupo de trabalho que incluiu, além do próprio Lemkin, os especialistas em direito internacional Vespasian Pella e Henri Donnedieu de Vabres (Schabas 2009: 60), já contemplava na categoria de genocídio os tipos delineados na definição contida em Axis Power. A atividade de promoção do próprio Lemkin permitira-lhe obter os apoios necessário para chegar à aprovação final da Convenção, no dia 9 de dezembro de 1948, um dia antes da proclamação, pela assembleia geral da Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Depois de declarar (art.º 1) que o genocídio «é um crime do direito dos povos», que as partes contratantes «se comprometem a prevenir e a punir», o texto da convenção enumera (art.º 2) um conjunto de atos «cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso»:  «a) Assassinato de membros do grupo; b) Atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo; c) Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial; d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) Transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo». Especifica, logo, que «serão punidos os seguintes atos: a) O genocídio; b) O acordo com vista a cometer genocídio; c) O incitamento, direto e público, ao genocídio; d) A tentativa de genocídio; e) A cumplicidade no genocídio»[9].

Quando comparado com a elaboração do conceito de genocídio feita por Lemkin em Axis Rule, o texto final da Convenção não inclui referências ao «genocídio cultural» ou, melhor, a atos de destruição da cultura de um povo, considerados como atentados à sua identidade – um elemento que o próprio Lemkin deixou cair, por razões também práticas, dir-se-ia de eficácia da disposição, privilegiando assim a preservação da vida à da identidade cultural. Em segundo lugar, a enumeração dos “grupos” alvo de prática de genocídio não inclui, como num rascunho anterior, os “grupos políticos”. A eliminação desta referência deve-se, em parte, à vontade de contornar quaisquer possíveis objeções vindas da União Soviética (uma vez que, caso fosse incluída, a feroz política de repressão dos opositores levada a cabo pelo regime estalinista podia facilmente ser considerada como genocídio), e também às dificuldades que esta definição teria levantado na aplicação da disposição.

A letra da Convenção levantou, em âmbito jurídico, alguns problemas interpretativos relevantes, em parte ainda não resolvidos. Em primeiro lugar, o art.º 2 faz referência à “intenção de destruir”. William A. Schabas, cujo trabalho se foca também na necessidade de diferenciar “genocídio” dos “crimes contra a humanidade”, nota que estas palavras introduzem uma descrição detalhada da própria intenção. Isto indica que a acusação terá de provar – para lá de qualquer dúvida razoável – a intenção específica de causar aquelas determinadas consequências. A “intenção específica” permitiria assim distinguir o genocídio de outras tipologias criminais como “crimes contra a humanidade” ou outros crimes sancionados pelo direito criminal ordinário (como, por exemplo, homicídio). Em segundo lugar, a expressão “no todo ou em parte” permite abranger casos em que uma parte de um grupo humano é atacada por atos ou práticas genocidas, não como indivíduos, mas sim como membros do dito grupo. Também esta expressão, contudo, tem levantado discussões, não apenas em âmbito jurídico, mas inclusive no mais amplo domínio do debate público. Poder-se-ia dizer que esta discussão reenvia ao paradoxo filosófico “sorites” (de σωρός: “monte”): em que momento uma pilha de areia deixa de ser tal, quando se removem os grãos? Com efeito, se for suficiente a intenção, o homicídio de um único indivíduo ou de um número relativamente pequeno poderia ser qualificado como genocídio. Ao mesmo tempo, se olharmos para a própria razão da existência da palavra, não podemos deixar de reconhecer como esta se encontra ligada à ideia de assassínios em massa ou, de qualquer maneira, de atos que almejam uma multidão de indivíduos. Mas quando é que uma “multidão” de indivíduos pode ser considerada como tal? Milhares de indivíduos? Milhões? Do ponto de vista jurídico, a inevitável vagueza dos termos deixa aos juízes uma margem de discricionariedade para interpretar, casuisticamente, o texto normativo. Do ponto de vista do debate público, é de facto impossível evitar diatribes sobre os casos mais indeterminados. Por outro lado, é importante realçar que esta expressão está conexa, no texto da declaração, com o elemento da “intenção” e reenvia para ele: para a “intenção” como elemento diferenciador entre “assassínios de massa” e “genocídios” propriamente ditos. Com efeito, conforme realça Schabas, a vítima de um crime de genocídio é um grupo como tal, não um determinado número – grande ou pequeno – de indivíduos (Schabas 2009: 231).

Finalmente, em âmbito jurídico, estes debates entrelaçaram-se com a discussão paralela sobre uma aplicação mais restrita ou mais abrangente da hipótese criminal. Quem defende a primeira, aponta para a necessidade de respeitar a intenção originária da Convenção, mantendo assim uma fisionomia jurídica claramente diferenciada entre “genocídio” e “crime contra a humanidade”. Quem defende a segunda, insiste sobretudo sobre o carácter multiforme que podem assumir as práticas genocidas. Este debate acompanha (e deu origem a) uma maior consciência da importância da Convenção, à qual se seguiu, em anos mais recentes, a instituição de dois tribunais ad hoc para os genocídios no Ruanda e nos territórios da antiga Jugoslávia, e depois a inclusão – no tratado constitutivo de Roma – do genocídio entre os crimes contra a humanidade, sobre os quais recai a jurisdição do Tribunal Penal Internacional (Spencer 2012: 19). Tratam-se, portanto, de tribunais penais que, enquanto tais, julgaram ou julgam indivíduos. Ainda mais recentemente, dois processos foram instaurados perante o Tribunal Internacional de Justiça, competente para ajuizar controvérsias entre Estados, também com base na Convenção de 1948. O primeiro foi instaurado pela Ucrânia contra a Federação Russa, em 2022, em consequência da invasão da primeira pela segunda; o segundo em 2023, pela África do Sul contra Israel, pelos atos relativos à operação militar israelita na Faixa de Gaza. Em ambos os casos, o Tribunal acolheu parcialmente os requerimentos do Estado recorrente e ordenou que os Estados contra os quais foram instauradas as ações adotassem todas as medidas para prevenir quaisquer atos que pudessem ser considerados genocidas, de acordo com a própria Convenção. Estas decisões, apesar de poderem ter algum impacto político a nível nacional ou internacional, não são, contudo, vinculativas em sentido próprio.

3. «De relevância política, mais do que jurídica»

Consoante realçava Kelsen na sua breve (mas elogiosa) recensão a Axis Rule,

O novo conceito de “genocídio” é de relevância política, mais do que jurídica. Juridicamente, os factos que seriam subsumidos sob este conceito constituem atos ilegais determinados pela lei penal e internacional; e não se pode estabelecer outras sanções, além daquelas já previstas pelas leis em vigor. (Kelsen 1946: 272)

A evolução do conceito de genocídio, conforme se viu, seguiu um rumo diferente. Todavia, a observação de Kelsen não deixa de ter alguma relevância. É um facto que o termo saiu do âmbito mais restrito do debate jurídico e das salas dos tribunais, para entrar no debate político. Este crime, frequentemente definido como “crime dos crimes” (Schabas 2009) e, na Convenção de 1948, “flagelo odioso”, caracteriza-se, com efeito, pela dimensão, intimamente política, da identidade do grupo visado por atos genocidas. Em parte, a difusão do termo fora do léxico técnico do direito deve-se à sua própria natureza. “Crimes contra a humanidade” é uma expressão que, sem considerar a sua definição jurídica, pode soar mais vaga aos ouvidos de um leigo. “Crime” é termo geral, que pode abranger atos de gravidade muito diferente; por outro lado “humanidade” é um conceito mais abstrato. “Genocídio” une o conceito mais concreto de “povo” (com uma identidade nacional, linguística, religiosa e cultural que podemos identificar) ao sufixo “-cídio” que reenvia logo ao mais grave dos crimes “comuns”: o homicídio. E, o que é mais importante, fá-lo com uma única palavra.

Tem sido notado como, em particular com o desenvolvimento do direito internacional, as diferenças entre “genocídio” e “crime contra a humanidade” têm vindo a atenuar-se. O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, no artigo 7, define “crime contra a humanidade” como «qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência à força de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais do direito internacional; f) Tortura; g) Violação, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez à força, esterilização à força ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de sexo […]; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de carácter semelhante que causem intencionalmente grande sofrimento, ferimentos graves ou afetem a saúde mental ou física»[10]. É fácil ver alguma sobreposição com os atos definido pela Convenção. Schabas (2009: 15) tem notado como, do ponto de vista prático, as consequências jurídicas da distinção entre genocídio e crimes contra a humanidade têm vindo a perder relevância, reconhecendo, inclusive, que a questão é mais «simbólica e semântica» do que jurídica. Contudo, nota também como o recurso ao conceito de genocídio permite insistir sobre o carácter particularmente hediondo do “ódio racial”, que não está necessariamente ligado ao conceito de “crime contra a humanidade”. Deste ponto de vista, a distinção não perdeu significado, e o crime de genocídio bem merece o título de “crime dos crimes”.

Se for assim, a distinção fundamental encontra-se mesmo na intenção, identificada pelo crime de genocídio, de alvejar indivíduos não enquanto tais, mas enquanto membros de um grupo. Por outro lado, o “crime contra a humanidade”, priorizando o indivíduo (inclusive uma multidão de indivíduos) sobre o grupo, manter-se-ia dentro da forma mentis da tradição liberal europeia. Num livro recente, Philippe Sands tem reconstruído a dialética entre os dois pontos de vista (encarnados por Lauterpacht e Lemkin), ao longo da disjunção que separa a perspetiva do grupo da perspetiva do indivíduo. Sands, ele próprio especialista de direito internacional e advogado ativo nos processos sobre violações de direitos humanos, sublinhou como, ao longo dos anos, se tem vindo a estabelecer uma «hierarquia informal» entre “genocídio” e “crime contra a humanidade”:

Nos anos que se seguiram ao julgamento de Nuremberga, a palavra “genocídio” ganhou embalo nos círculos políticos e em discussões públicas como sendo o “crime dos crimes”, elevando a proteção dos grupos acima da dos indivíduos […]. Emergiu uma corrida entre vítimas, uma corrida na qual um crime contra a humanidade acabava por ser entendido como um mal menor […]. Provar o crime de genocídio é difícil, […] a necessidade de provar a intenção de destruir um grupo como um todo ou em parte, tal como exige a Convenção do Genocídio, pode ter consequências psicológicas infelizes. Fortalece o sentido de solidariedade entre os membros do grupo-vítima enquanto reforça os sentimentos negativos para com o grupo-perpetrador. O termo “genocídio”, com o seu foco no grupo, tem tendência a amplificar uma ideia de “eles” e “nós”, dá azo a sentimentos de identidade de grupo e pode inadvertidamente dar azo às próprias condições que procura tratar: ao opor um grupo ao outro, torna a reconciliação menos provável. Receio que o crime de genocídio tenha distorcido os processos de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade, porque o desejo de ser etiquetado como vítima de genocídio vem colocar pressão sobre os procuradores para pronunciarem tal crime. Para alguns, ser considerado vítima de genocídio torna-se “componente essencial da identidade nacional” sem contribuir para a resolução das disputas históricas ou tornar os assassínios em massa menos frequentes. (Sands 2019: 452-53)

Esta tensão entre interpretações mais individualistas ou mais coletivistas do conceito tem também levantado problemas em âmbito ético. Entre outras coisas, coloca-se a questão de saber se o conceito de genocídio implica não só a existência de “grupos” (étnicos, nacionais, etc.), como realidades ontológicas distintas e não reconduzíveis a meros agregados de indivíduos, e, em segundo lugar, se estes grupos podem ser considerados titulares de direitos próprios. Por um lado, é possível reconhecer que os grupos têm uma identidade distinta, uma capacidade de ação sua própria e que podem ser destruídos, isto é, podem morrer. Por outro, de um ponto de vista mais individualista, os grupos não são senão uma aglomeração de indivíduos com as suas características e os seus interesses, e quanto maior for o grupo, mais complicado é reconstruir uma sua fisionomia homogénea. Por exemplo, consoante os elementos distintivos escolhidos, alguns membros de um determinado grupo nacional podem ter mais interesses em comum com membros de outros grupos do que com os outros membros do mesmo. Isto não significa, contudo, que uma interpretação mais individualista – e menos “comunitarista” – dos direitos humanos não permita fundamentar o crime de genocídio, uma vez que a pertença a um determinado grupo pode também ser vista como um direito individual, insistindo sobre o valor intrínseco que pode ter, por exemplo, para a sua autodeterminação. Do ponto de vista ético, portanto, é possível fundamentar o crime de genocídio sobre pressupostos tanto coletivistas como individualistas e, também neste último caso, é possível estabelecer uma diferença entre assassínio de massa e genocídio (Lee 2010). Finalmente, é importante realçar que são as próprias políticas e os próprios atos genocidas que, frequentemente, constroem o grupo como tal, “racializando” os indivíduos.

A força evocativa da palavra decorre também da sua história: da sua associação “genética” com o evento inefável da Shoah. Lemkin teve a preocupação de a estender a outros casos[11], mas a relação entre a Convenção e os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial é imediata e sugestiva. Ela estabelece, assim, um paralelismo que ganha força persuasiva e o termo acaba por ter uma dimensão polémica. Tanto a qualificação de “genocídio” aplicada ao Holodomor ucraniano – a carestia fruto das políticas do governo soviético em 1932-33 (Werth 2010: 395-398) – como à perseguição dos arménios pelo Império Otomano (Boghossian 2010) tem semeado um terreno de polémica e de combate político. Na própria Alemanha, a referência ao genocídio e aos crimes contra a humanidade perpetrados pelos nazis impôs-se sobretudo a partir dos anos 60, com uma nova vaga de julgamentos (como os “processos Auschwitz de Francoforte”, Frankfurter Auschwitzprozesse, de 1963), enquanto antes era mais comum falar-se em “crimes de guerra” (Judt 2005: 180). Mais recentemente, perante a acusação do governo da África do Sul contra Israel de cometer genocídio contra a população palestiniana em Gaza, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu retorquiu definindo o Hamas como um movimento genocida (Berg 2024). De resto, a vida desta palavra foi caracterizada por um uso polémico desde o início[12].

Se o termo genocídio permite identificar a característica do ódio racial, nem sempre pode ser claro quando os indivíduos são vitimizados enquanto tais ou enquanto membros de um grupo. Afinal, não é o que acontece em todas as guerras, e em particular nas guerras que envolvem ataques aos civis? Estes últimos não são alvejados enquanto membros de um grupo (a nação inimiga), mais do que enquanto indivíduos? Como distinguir? Cientes destas dificuldades, os aliados deixaram cair algumas tipologias de crimes aquando da instituição do tribunal militar de Nuremberga (como o bombardeio das cidades), por forma a não dar azo aos acusados de retorquirem as acusações contra os próprios acusadores (Overy 2003: 10). Que este problema existe, demonstrou-o o facto de este argumento ter sido um dos alicerces da dissenting opinion de Radhabinod Pal, juiz no processo de Tóquio instruído pelos aliados contra a cúpula político-militar japonesa (Bass 2023). Se o estado maior japonês tinha permitido a perpetração de crimes de guerra, não se podiam qualificar como tais também os bombardeios atómicos de Hiroxima e Nagasáqui? E mesmo que fosse possível colocar o critério de distinção na diferença entre guerra de agressão e de defesa, não é verdade que, para (quase) todas as guerras de agressão, é sempre possível encontrar uma justificação no evento anterior? Por exemplo, na expansão americana no Pacífico, ou no colonialismo europeu na Ásia oriental?

Trabalhando sobre o conceito de “crueldade” e a sua centralidade para a filosofia política (Shklar 1982), Judith Nisse Shklar abordou diretamente estas questões num livro publicado pela primeira vez em 1964, e significativamente intitulado Legalism: An Essay on Law, Morals and Politics. De acordo com Shklar, a diferença entre, por um lado, guerra e, por outro, genocídio deve ser encontrada mais nas nossas atitudes em relação à guerra e a outras formas de violência política organizada do que em critérios definitórios. O juízo sobre estes eventos seria, portanto, determinado sobretudo por «sentimentos sociais habituais» (Shklar 1964: 191). Logo, não se trataria da diferença entre as causas de uma guerra e as causas de atrocidades organizadas, mas sim da resposta comum a ambas. Noutras palavras, por razões essencialmente históricas, «a guerra é aceitável, os extermínios em massa não» (Shklar 1964: 191-192).

Um ulterior elemento de complexidade tem sido, historicamente, acrescentado pela reflexão em torno do genocídio como política planeada de um Estado totalitário, outro elemento de novidade em relação a outros casos de extermínio em massa. Novamente, o exemplo da Shoah tem sido crucial e é relevante citar, aqui, as reflexões de Hannah Arendt em As Origens do Totalitarismo e Eichmann em Jerusalém, em particular sobre a maquinaria burocrático-administrativa do Terceiro Reich. Se este aspeto pode contribuir para reproduzir uma imagem de excecionalidade do genocídio dos judeus europeus, é importante realçar como a própria Arendt definiu o genocídio como «um ataque à diversidade humana enquanto tal» (Arendt 2006 [1964]: 268-269), aproximando-se assim da inspiração kantiana do próprio Lemkin e da sua insistência sobre o elemento fundamental da diversidade e sobre o papel da diferença cultural naquele que este definia como o cosmos humano (Irvin-Erickson 2017: 246). Esta insistência, e a tónica colocada por Lemkin no valor positivo da pluralidade das sociedades humanas, constitui o motivo da relevância que este atribuiu à defesa e à preservação da identidade cultural, assim como da sua ideia de genocídio enquanto categoria mais abrangente, passível de incluir outros casos históricos e não necessariamente limitada ao caso da Shoah. Por outro lado, e mais recentemente, tem sido também desafiada a ideia segundo a qual as democracias e, em particular, as democracias liberais, podendo contar sobre uma maior publicidade e prestação de contas de quem governa, seriam, per se, isentas de políticas genocidas. É possível chegar a esta conclusão a partir de premissas diferentes: por um lado, da ideia segundo a qual a democracia seria uma forma de governo intimamente pacífica, uma vez que as suas instituições limitariam o recurso a atos violentos que poderiam vitimizar, direta ou indiretamente, o próprio demos que participa na gestão da coisa pública. Por outro lado, governos autocráticos, não chamados a responder aos seus cidadãos nem sequer politicamente – por meio de livres eleições periódicas – alcançariam a concentração de poder necessária para pôr em ato essas políticas. Estas ideias têm sido desafiadas (Mann 2005) notando como a participação das massas na vida política até poderia facilitar políticas genocidas, postas em prática sob a justificação da “vontade popular” ou até com um apoio plebiscitário. Esta interpretação combina o foco colocado sobre o carácter eficiente do moderno estado burocrático e centralizado (Weiss-Wendt 2010) com o foco colocado no carácter atávico da violência genocida, perpetrada por um grupo contra um grupo tido por “inimigo público”. Uma violência comum a todas as épocas porque capaz, aliás, de fortalecer a solidariedade política entre os membros do grupo. É importante, contudo, considerar que as variáveis que dão origem à violência genocida podem ser várias e independentes: uma guerra em curso, por exemplo, pode, por um lado, facilitar determinados atos violentos, por outro, criar (tanto nas elites como nas massas) sentimentos paranoicos ou até um clima de desresponsabilização favorável à perpetração de determinados crimes. Uma escalada de violência pode acontecer, inclusive, sob o pretexto da “autodefesa” ou pode ser cientemente causada por uma elite política em perigo (ou que se sinta em perigo) e que quer deslocar a atenção sobre um “bode expiatório”. A própria participação das massas de um determinado país ou estado está sujeita a variáveis internas: atos genocidas podem ser cometidos por minorias como por maiorias, pelo aparelho militar ou repressivo de um estado ou por grupos informais mais ou menos organizados, e a participação “passiva”, como não impedimento ou até aprovação tácita, também deveria ser, obviamente, considerada. Todos estes elementos perpassam a definição jurídica de “genocídio” cometido por determinados indivíduos, e envolvem a descrição do evento de pontos de vista historiográficos ou sociológicos. De uma perspetiva mais teórico-política, pode-se notar como, mais do que uma questão de participação ou não do demos à vida política, relevam as formas e os limites institucionais desta participação. É razoável reconhecer como mecanismos institucionais que garantam a proteção das minorias (não apenas políticas, mas também, por exemplo, linguísticas ou religiosas) e dificultem formas de “tirania da maioria” possam também impedir políticas de perseguição ou até destruição de determinados grupos, e a transformação de democracias e “etnocracias”. Estas práticas incluem a extensão da cidadania e dos direitos políticos, mas também a desconexão, o mais rigorosa possível, entre a cidadania na sua dimensão cívica e qualquer identidade organicista, seja ela de carácter étnico, cultural, religioso ou “racial”.

Com efeito, segundo Oren Yiftachel e As’ad Ghanem (2004), que aplicaram o conceito à realidade do Estado de Israel, uma etnocracia é um regime que «facilita a expansão, etnicização e o controlo» de uma «nação étnica dominante» (dominant ethnic nation) sobre um território contestado e um Estado (Yiftachel & Ghanem 2004: 649). Este controlo pode ser conseguido por meios (pelo menos em parte) democráticos. Daniele Conversi (2006) tem realçado como algumas dinâmicas do Estado-nação moderno, juntamente com a inclusão das massas na política contemporânea, podem facilitar o surgimento de etnocracias. Contudo, ele sublinha também – contra Mann (2005) – que não se pode atribuir à democracia sic et simpliciter um maior potencial genocida. A democracia liberal, em particular, com a sua ênfase sobre o pluralismo, a proteção das minorias e a centralidade dos direitos individuais, constitui uma alternativa (teórica e histórica) à tirania da maioria e à etnocracia. Mesmo, e sobretudo, quando estas últimas se apresentam sob formas “democráticas”.

4. Conclusão

Ao cunhar o novo termo de genocídio, Raphael Lemkin considerava que nomear um crime seria o primeiro passo para o compreender. Por sua vez, compreendê-lo teria acarretado definir os instrumentos jurídicos necessários para o prevenir e para punir os responsáveis da sua perpetração. Com efeito, a Convenção aprovada pela ONU em 1948 estabeleceu as premissas para uma evolução do direito nacional, que teve como resultados, ainda amplamente perfetíveis, a instituição dos dois tribunais internacionais ad hoc sobre o Ruanda e a Jugoslávia, e o estatuto de Roma que instituiu o Tribunal Penal Internacional, sob cuja jurisdição recai também o crime de genocídio. Além disso, o trabalho de Lemkin permitiu também a difusão – não menos importante – de uma sensibilidade política em torno do tema do genocídio. Deste ponto de vista, a introdução do termo teve consequências que vão além do âmbito estritamente jurídico. Enquanto a aplicação da hipótese de crime requer a verificação de determinadas condições, a palavra, quando usada no debate público, adquire um significado mais geral e permite assim manter um certo grau de alarme em torno de atos ou políticas que combinam a violência com a componente do ódio ou da discriminação racial. Deste ponto de vista, é difícil sobrestimar a importância da obra de Lemkin. Ainda mais importantes parecem ser alguns aspetos desta que não tiveram influência direta no texto da Convenção, mas que foram ganhando mais relevância no debate público: a atenção em relação a práticas homicidas dos governos – motivadas por razões políticas – contra os seus cidadãos e à destruição da identidade cultural de um povo. Para estes casos, não suficientemente identificados pela Convenção, foram propostos sucessivamente os termos “democídio” (Rummel 1994) e “etnocídio” (Jaulin 1970), para identificar o genocídio “político” ou “cultural”, a destruição da cultura e da identidade social, linguística, religiosa de um grupo humano (Clavero 2008: 101). Os assassínios em massa perpetrados pelo governo dos khmers vermelhos na Camboja (entre 1975 e 1979), ou a destruição da identidade social e cultural dos povos indígenas nas Américas ou na Austrália, podem ser considerados exemplos disso. De resto, o próprio Lemkin insistia no elemento “demográfico” de determinadas políticas genocidas, baseadas na substituição étnica de um grupo por outro, e no seu carácter de “ocupação” de todos os espaços vitais do grupo-alvo – todos elementos que permitem aplicar o conceito (e o crime) a contextos de ocupação de tipo imperialista e/ou colonialista (Moses 2010: 26; Fitzmaurice 2008).

Por outro lado, o sucesso, no debate político, do termo genocídio parece também estar relacionado com os seus pressupostos mais “comunitaristas”, quando comparados com a impostação mais tradicional e mais focada no indivíduo, enquanto portador de direitos, do conceito de “crime contra a humanidade”. Facilitando uma contraposição entre grupos (as vítimas e os perpetradores, os amigos e os inimigos), o termo “genocídio” é mais facilmente utilizável em âmbito político. Mas este uso não está isento de aspetos problemáticos. Anthony Dirk Moses tem conectado o conceito de genocídio com o conceito de “grupismo” (groupism) introduzido pelo sociólogo Rogers Brubaker – isto é, a tendência a considerar grupos humanos, enquanto atores coletivos internamente homogéneos e externamente diferenciados, como elementos constituintes fundamentais da vida social, protagonistas principais dos conflitos sociais e, finalmente, unidades fundamentais de análise social. Esta tendência traduz-se em considerar grupos étnicos ou nações como entidades substanciais, às quais podem ser atribuídos interesses e capacidade de ação (Brubaker 2002: 164).

Analogamente, e agora do ponto de vista jurídico, tem sido realçado como o debate sobre o crime de genocídio, tal como a sua consagração num documento normativo da ONU, tem representado uma relativa exceção no contexto do debate sobre o direito internacional que seguiu à Segunda Guerra Mundial, focado sobre uma conceção liberal dos direitos humanos como direitos que pertencem e têm como origem o indivíduo. Com efeito, enquanto a centralidade dos direitos humanos como direitos individuais vinha a ser definitivamente reconhecida com a Declaração de 1948, em clara oposição à tendência – mais comum no período entre as duas guerras – em focar a atenção na proteção jurídica das minorias (isto é, de grupos, comunidades) (Mazover 2004), “genocídio” caracterizava-se justamente pela centralidade atribuída à pertença a um grupo. O próprio Lemkin, no seu breve e marginal envolvimento na preparação jurídica do julgamento de Nuremberga, insistia para que não se confundisse “assassínio em massa” e genocídio, justamente em razão do critério “grupal” do segundo. Ao mesmo tempo, gradualmente, “genocídio” ia-se substituindo, na sua qualificação como “crime mais perigoso” ou “crime dos crimes”, a outras tipologias mais debatidas até ao início da Segunda Guerra Mundial, como as de “terrorismo” ou de “guerra de agressão” (Segesser & Gessler 2005: 464). Este conjunto de fatores contribuiu, de forma decisiva, para a difusão da palavra e do conceito no debate político e, paralelamente, jurídico.


[1] Sobre a adesão de Lemkin ao sionismo, v. Cooper 2008: 12-13, 16, 19, 21. Em direção oposta, Dirk Moses (2010: 24) vê as posições políticas de Lemkin como próximas do Bund, o movimento socialista (não sionista) que tinha mais aderentes entre os judeus da Europa oriental, por sua vez influenciado, em particular no que toca à proteção jurídica das minorias, pelo “austromarxismo” de Karl Renner e Otto Bauer.

[2] De um “homem com uma missão” («a man on a mission») fala Hilary Earl, fazendo referência ao biógrafo de Lemkin, John Cooper («the Genocide Convention and its ratification [were] driven forward by the superhuman efforts of Lemkin» (Cooper 2008: 4), e ao relato do jornalista Robert Merrill Bartlett (segundo o qual Lemkim era «um profeta») (Earl 2013: 317). Segundo Sidney S. Alderman (membro da equipa jurídica do procurador-geral americano em Nuremberga, Robert Jackson), Lemkin estava «muito orgulhoso da sua obra» (Barrett 2010: 40). Por seu lado, Anthony Dirk Moses evidencia dois fenómenos opostos: um lento esquecimento da obra de Lemkin (pouco ou nada lida e estudada, até tempos recentes) e a construção de uma hagiografia em torno da sua figura («a martyr to the cause») (Moses 2010: 20).

[3] Actes de la Ve Conférence Internationale pour l’Unification du Droit Pénal (Paris, 1935) (Schabas 2009: 30). «The crime of barbarity, conceived as oppressive and destructive actions directed against individuals as members of a national, religious, or racial group, and the crime of vandalism, conceived as malicious destruction of works of art and culture because they represent the specific creations of the genius of such groups» (Lemkin 1944: 91).

[4] «[T]his word is inadequate because: (1) it does not connote the destruction of the biological structure; (2) in connoting the destruction of one national pattern, it does not connote the imposition of the national pattern of the oppressor; and (3) denationalization is used by some authors to mean only deprivation of citizenship» (Lemkin, 1944, p. 79-80).

[5] Com efeito, serão sucessivamente cunhados os termos alternativos de democídio, para abranger casos não incluídos na categoria de genocídio (como os assassínios em massa motivados por razões políticas) (Rummel 1994) e etnocídio para identificar o “genocídio cultural”, a destruição da cultura e da identidade social, linguística, religiosa de um grupo humano (Clavero 2008: 101).

[6] «Redress should be full and embrace not only additional aspects, both economic and legal, but it should also involve important political and moral considerations based upon the responsibility of the German people treated as an entirety» (Lemkin 1944: XIII). Deste ponto de vista, Lemkin parece antecipar a (amplamente debatida) tese de Daniel Goldhagen sobre a responsabilidade coletiva do povo alemão (Goldhagen 1996).

[7] Hersch Lauterpacht (1897-1960) nasceu em Lviv (então Lemberg, capital da Galícia austro-húngara) e formou-se na universidade daquela citade, exactamente como Lemkin, e em Viena, onde teve como professor Hans Kelsen, antes de emigrar no Reino Unido para completar o seu doutoramento na London School of Economics. Professor de direito público internacional na Universidade de Cambridge, será um dos juristas mais ativos no âmbito do direito internacional nos anos antes e depois da segunda guerra mundial. O seu livro An International Bill of the Rights of Man (Lauterpacht 1945) será uma fonte de inspiração para a Declaração universal dos direitos humanos de 1948, da qual, contudo, Lauterpacht criticou a falta de instrumentos que possam garantir a sua efetividade (Moyn 2014). Sobre Lauterpacht e as “vidas paralelas” de Lauterpacht e Lemkin, v. Philippe Sands (2016 [2019]). Sobre a influência de Lauterpacht na Declaração de 1948, v. Morsink (1999).

[8] A RuSHA (do alemão Rasse- und Siedlungshauptamt der SS) e os Einsatzgruppen (a tropa de morte móvel das SS) estiveram ambas envolvidas nas práticas genocidas do regime nazi. Os Einsatgruppen, em particular, operavam nos países ocupados pela Alemanha, e tinham principalmente judeus como alvos, mas também “partisans”, inimigos políticos, ciganos e deficientes físicos. Ambos os processos invocaram o genocídio como uma componente dos crimes contra a humanidade. Sobre os 12 “Processos de guerra de Nuremberga”, v. Earl 2013.

[9] https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/conv_prev_rep_genocidio.pdf

[10] https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/estatuto_roma_tpi.pdf

[11] À data da sua morte, Lemkin deixou inédito muito material sobre os genocídios na história. Este material demonstra a sua tentativa de incluir na categoria de genocídio fenómenos muitos diferentes: além dos casos dos arménios e dos judeus, considerava os primeiros cristãos, os mouros na Espanha moderna, os índios das Américas, os hereges cristãos medievais, os huguenotes na França dos séculos XVI-XVII, os gregos da Turquia e, vice-versa, os turcos da Grécia, nos anos imediatamente sucessivos à primeira guerra mundial (Docker 2008: 86-87). Este projeto, juntamente com a sua definição mais abrangente de genocídio, tem atraído contra ele a crítica de não ter percebido a unicidade da Shoah. Oposta e simétrica à crítica de ter moldado o seu conceito a partir de um único caso: a Shoah, justamente (Moses 2010: 21; Portinaro 2018: 88).

[12] Carl Schmitt, reconhecendo imediatamente o alcance político do termo, usou a mesma estratégia comparando o extermínio dos judeus à liquidação dos funcionários prussianos, numa página de diário de 1949. Acusado de cumplicidade com os perpetradores de um genocídio, retorquiu apresentando-se assim ele próprio como vítima: «Genocídio, extermínio de massa, um conceito comovente, senti-o na minha própria pele, com a liquidação dos funcionários prussiano-alemães em 1945. Foram empurrados a suicidar-se» (Schmitt 1991 [2001]: 368-369).

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Como citar este artigo

Damele, G. “Genocídio”. Dicionário de Filosofia Moral e Política (2024), 2.ª série, coord. António Marques e André Santos Campos. Lisboa: Instituto de Filosofia da Nova, URL: <http://www.dicionariofmp-ifilnova.pt/genocidio>


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DOI: https://doi.org/10.34619/1eno-ug1y


Publicado em: 1 de julho de 2024

Giovanni Damele

FCSH, Universidade Nova de Lisboa

<giovanni.damele@fcsh.unl.pt>