Direitos

A variedade dos direitos

Ter um direito é ter um certo estatuto ético que, nos casos modelares, é vantajoso para a pessoa que o tem ou é por ela desejado, ou que favorece um estado de coisas vantajoso ou desejado por essa pessoa. Isto é o que se pode dizer consensualmente em termos genéricos sobre aquilo que os direitos são. Tudo o mais se sujeita a discussões em aberto, incluindo discussões sobre se todo o direito é um direito de uma pessoa, sobre se todo o direito implica a existência de certa vantagem (utilidade, interesse, benefício) para o titular — a entidade que tem o direito — e sobre se todo o direito dá um lugar especial à vontade (desejos, preferências, escolhas, poderes) desse titular. Também falta esclarecer o que é que distingue os direitos de outras posições éticas tipicamente valiosas para o seu titular, mas que não têm a «força» ou o tipo de fundamento próprios dos direitos. Aliás, os «direitos» não constituem — nem na linguagem corrente, nem na linguagem filosófica comum, nem sequer nalguma linguagem jurídica difundida — uma categoria delimitada com exactidão, de modo que é possível fazer pequenos mas significativos ajustes no uso da palavra sem gerar neologismos. A melhor maneira de avançar é apresentar alguns exemplos consensuais de direitos e de não direitos, expor as discussões centrais sobre o tema e fazer algumas observações terminológicas.

Pode falar-se com razoabilidade de direitos quer no plano da ética propriamente dita, da moralidade, incluindo a moralidade política, quer em planos perfeitamente convencionais ou arbitrários. Pode dizer-se que, no jogo do Monopólio, o jogador que «passa pela casa de partida» tem direito, normalmente, a receber uma certa quantia da «banca», ou que, no jogo do King, o jogador que, em certa fase, dá as cartas tem direito a «marcar o trunfo». Ainda assim, é interessante notar que a linguagem dos direitos não é muito comum em matéria de jogos. Pelo contrário, a linguagem jurídica está repleta de referências a direitos, valendo aqui, para as línguas românicas e algumas línguas germânicas, a clarificação de que os direitos são «direitos subjectivos», por contraposição às leis, costumes, princípios, etc., que constituem o «direito objectivo» de cada sociedade política. (A clarificação é desnecessária em inglês, já que os direitos subjectivos, os rights, não são aqui verbalmente confundíveis com o direito objectivo, o law. A expressão subjective right é, dir-se-ia, um solecismo: Mautner, 2013.) A existência de direitos jurídicos é consensualmente aceite quer por quem toma o direito objectivo num sentido positivista, essencialmente constituído por certos factos sociais, quer por quem o toma num sentido moralizado ou «jusnaturalista», grosso modo correspondente às normas que os tribunais e instituições semelhantes devem (moralmente falando) fazer valer. Em qualquer caso, diz-se comummente que os direitos subjectivos (jurídicos) se fundam no direito objectivo ou que dele resultam: o direito objectivo é o critério, os direitos subjectivos são uma decorrência.

Mesmo pensando apenas em direitos morais, éticos em sentido restrito, encontra-se uma grande variedade de, pelo menos, pretensos direitos: o direito à vida e o direito a receber o preço por um objecto insignificante que se vendeu; o direito-liberdade de expressão e o direito de propriedade sobre bens herdados; o direito-liberdade de religião e o direito a uma isenção fiscal; o direito a condições mínimas de subsistência, o direito ao trabalho e o direito a não ser escravizado; o direito a que cumpram o que nos prometeram e o direito sobre o próprio corpo; direitos dos filhos (crianças) perante os pais e destes perante aqueles; o direito de voto político e o de voto numa assembleia de accionistas; o direito a informações adequadas prévias a uma intervenção médica e o direito ao próprio nome; o direito de desistir de uma compra feita online; o direito de associação e o direito de ser deixado em paz; os direitos de autor; o direito a ser membro de certa instituição e o direito de dela sair por mera declaração; o direito a certo título («doutor», «grande-mestre»….). Talvez o direito de todo o ser humano a ser reconhecido como pessoa, o direito a ser respeitado e objecto de consideração, o direito a tratamento igual. Direitos de adultos, de crianças e de fetos, de animais e organizações, de monumentos, rios, montanhas, do planeta Terra, de robôs e sistemas informáticos…. Este último conjunto de exemplos levanta a questão de quais as entidades que podem ser titulares de direitos. Os exemplos anteriores respeitam sobretudo à variedade no conteúdo e na estrutura dos direitos. Discute-se se poderá haver um direito a agir mal ou um direito a fazer mal (um «right to do wrong», na expressão de Waldron, 1981).

O esquema de Hohfeld

Dada a variedade de conteúdo e estrutura dos direitos, e a natural confusão no uso de palavras importantes, é útil ter um esquema terminológico que especifique subclasses de direitos. Tem tido grande aceitação o sistema criado por Hohfeld (1919) em vista de direitos jurídicos, hoje considerado também a respeito de direitos morais. Pode entender-se que esse esquema tem por base o conceito não definido de dever ou, como hoje melhor se diz, de dever dirigido (Sreenivasan, 2010; May, 2015), e que os restantes são definidos a partir deste enquanto «correlativos» ou «opostos».

Suponhamos que a pessoa A não deve entrar em casa da pessoa B. Usando pequenas alterações de termos surgidas na literatura posterior, diríamos que, numa situação normal e para Hohfeld, A tem o dever dirigido a B (ou «para com» B) de não lhe entrar em casa, e que B tem o direito-pretensão a que A não lhe entre em casa. Se, pelo contrário, A não tem esse dever, então A tem a liberdade, perante B, de entrar em casa deste, e B tem o não-direito a que A não entre. Na situação inicial, B poderá, admitamos, consentir que A, afinal, entre. Nesse caso, B tem o poder de transformar o dever em liberdade, e A tem a sujeição a que o seu dever seja assim transformado. Se B não tem tal poder, então B tem uma impotência, e A tem uma imunidade. O esquema é, pois, o seguinte:

Posições de primeiraordem Posições de segundaordem

Correlativos
direito-pretensão

dever dirigido
liberdade

não-direito
Poder

Sujeição
Imunidade

Impotência

Opostos
direito-pretensão
vs.
não-direito
liberdade
vs.
dever dirigido
poder
vs.
impotência
imunidade
vs.
sujeição

Esta tabela significa que:

A tem, para com B, o dever de φ se e só se B tem, contra A, o direito-pretensão a que A φ.

(A letra φ substitui um sintagma verbal que designe um tipo de acção, incluindo omissões.) O mesmo vale, com as devidas adaptações, para os restantes pares de correlativos: liberdade / não-direito, poder / sujeição, imunidade / impotência. Quanto aos opostos, e por exemplo:

A tem, perante B, a liberdade de não φ se e só se A não tem, perante B, o dever de φ.

E assim para os restantes pares de opostos: direito-pretensão / não-direito, poder / impotência, sujeição / imunidade. Cada elemento de um par de correlativos só ocorre quando ocorre o outro (noutro titular), e cada elemento de um par de opostos só ocorre quando o outro não ocorre (no mesmo titular).

Alguns autores contestam a correcção ou a conveniência de entender os direitos-pretensões e os deveres dirigidos como correlativos, preferindo entender estes conceitos (ou optar por conceitos) sem tal equivalência (Kamm, 2007, 241-242, Cornell, 2015). Nesta entrada, pressupõe-se que uns e outros são efectivamente correlativos, à maneira de Hohfeld.

As posições normativas «de segunda ordem» são definidas a partir das de primeira ordem ou, na verdade, do conceito geral de posição normativa e da eventualidade da sua alteração. Em linguagem posterior a Hohfeld, diríamos, por exemplo, que:

B tem um poder contra A se e só se alguma posição normativa de A pode ser alterada por um acto de linguagem com esse sentido de B.

O esquema hohfeldiano faculta uma linguagem rigorosa em matéria de direitos, se admitirmos que o conceito de base de dever dirigido (dever para com outrem) seja suficientemente esclarecedor. O esquema esclarece que certos «direitos» são direitos-pretensões, outros são liberdades, etc. Hohfeld mostrou também a diversidade das coisas a que podemos chamar «direitos». Um direito-pretensão, uma liberdade, um poder e uma imunidade são «direitos» bastante diferentes uns dos outros. Das posições aparentemente «desvantajosas» ou «indesejadas», pelo menos a sujeição e a impotência podem também, nalguns casos e na linguagem pré-hohfeldiana, ser consideradas «direitos»: eu posso ter «direito» a que a Segurança Social me atribua o direito-pretensão a uma pensão, caso em que a Segurança Social tem um poder, e eu tenho uma sujeição. Falta saber, contudo, se o meu «direito» é constituído apenas pelo poder da Segurança Social ou também, por exemplo, por um seu dever, meu direito-pretensão, a que ela exerça esse poder. A minha impotência para me constituir escravo de outrem também pode ser vista como um direito.

Era preocupação de Hohfeld que se evitassem inferências ilógicas entre certas posições normativas. Se eu tiver o «direito» de me expressar e esse direito for apenas uma liberdade, ninguém tem o dever de não me impedir de me expressar, nem, muito menos, de me dar os meios para me expressar. O facto de eu ter o poder de vender uma coisa que não me pertença também não quer dizer que eu tenha, perante o verdadeiro dono, a liberdade de fazê-lo: posso ter o dever de não a vender.

É de sublinhar a distância entre o esquema de Hohfeld e a linguagem corrente. Por exemplo, dificilmente se chamará «direito» a um poder sem que haja, pelo menos, a liberdade de exercê-lo. Do mesmo modo, e ao contrário do que se pensaria fora do referido esquema, uma liberdade hohfeldiana de φ é compatível com o dever de φ no mesmo titular: em linguagem corrente, dir-se-ia: «não tem a liberdade de φ, tem o dever de fazê-lo». Uma liberdade também dificilmente será considerada um «direito» sem que o titular do correlativo não-direito tenha além dele, e pelo menos, o dever de não impedir o exercício da liberdade. Algumas das dessintonias entre a linguagem hohfeldiana e a linguagem corrente talvez constituam defeitos da primeira, embora sem afectar o seu rigor e a sua correcção interna.

Hohfeld considerou um conjunto de «direitos» da linguagem corrente que não se identificam com nenhuma posição isolada das suas tabelas, mas com uma combinação de posições. Por exemplo, o meu «direito à vida», considerado simplesmente como o direito a não ser morto por outrem, é constituído por um conjunto vasto de direitos-pretensões, todos na minha titularidade, correlativos de um conjunto de deveres de não me matar, cada um na titularidade de uma outra pessoa, e abrangendo a generalidade das pessoas, salvo eu próprio. A direitos como este chamou Hohfeld «direitos multitais», enquanto as posições das tabelas, algumas delas, constituiriam «direitos paucitais» (do nom. plural latino pauci, «poucos»). No entendimento de Hohfeld, todas as posições jurídicas poderiam ser reduzidas a somas ou justaposições de posições paucitais e analisadas dessa maneira. Não é certo que muitos filósofos do direito actuais comunguem desse optimismo, e muito menos que ele seja transponível para o plano da ética.

Os direitos não são dispensáveis

Segundo alguns autores, a categoria dos direitos seria dispensável em geral ou nalgum ramo importante da normatividade. Bentham (1843) afirmou que a ideia de direitos morais é «um disparate em andas», o que condiz com a sua tese utilitarista («de actos») de que o dever moral, em cada ocasião, é sempre o de produzir a máxima felicidade em vista da totalidade dos seres sencientes. Marx (1844) considerou os «direitos do homem» instrumentos de um «homem egoísta», separado da comunidade, preocupado apenas com o seu interesse e o seu capricho. Kelsen (1960, 184-208) viu os direitos jurídicos como um mero subproduto ou reflexo de normas de dever, sem unidade apreciável e sem merecerem verdadeiramente menção, salvo quando correspondam a poderes do titular do «direito» — poderes de alterar deveres — ou quando o teor do dever em causa (aquilo que é devido) faça referência a esse titular. Villey (1965, 250-298, 570-580, 703-720) censurou a linguagem do direito subjectivo enquanto expressão do nominalismo e veículo de um «individualismo» centrado nas qualidades ou faculdades de um sujeito, sobretudo nos seus poderes, inerentes ao sujeito e concebidos «à partida como ilimitados», em tensão com uma visão comunitária do direito objectivo como ordem social. Também tem interesse notar que, no extenso corpus do direito romano, usado como lei na Europa durante quase dois milénios, os «direitos» ocupavam um lugar secundário, quase inexistente, sobretudo por comparação com as «obrigações» (obligationes) e as acções judiciais (actiones).

Quanto à oposição filosófica aos direitos, subjaz-lhe muitas vezes a ideia de que a categoria do dever, ou dos deveres, seria suficiente para exprimir a normatividade em questão. Mesmo se os deveres não chegam para exprimir toda a ética — por esta incluir nos seus temas, por exemplo, a acção superior ao dever (sobreerrogação), as virtudes e os valores —, chegariam para exprimir toda aquela a que se reportam os direitos. Os direitos reduzir-se-iam a deveres e não lhes acrescentariam nada, ou nada de bom.

Estes deveres enquadram-se também numa lógica própria — parte essencial da chamada lógica deôntica —, exprimível numa tabela de relações de equivalência e contradição. Ao contrário das tabelas hohfeldianas, porém, a lógica dos deveres não respeita a relações entre pares de titulares, mas sim a posições unilaterais, não essencialmente relacionais. A permissão, como figura contraditória de um dever, definir-se-ia por simples negação:

A tem o dever de φ se e só se A não tem a permissão de não-φ.

Ainda unilaterais e redutíveis ao dever e à permissão são as figuras do obrigatório, proibido, permitido (ou lícito) e facultativo. Os poderes e as impotências respeitariam à possibilidade de alteração destes deveres e permissões não relacionais, e o carácter relacional daqueles — tal como o das sujeições e imunidades — seria contingente, resultaria da circunstância acidental de certos deveres ou permissões a alterar não terem a mesma titularidade que o poder ou impotência em causa. Estes conceitos associados ao de dever tout court (não necessariamente relacional), com as suas possíveis combinações, tornariam dispensável o conceito de direitos.

Muitos autores, todavia, têm entendido que os direitos não são dispensáveis, o que se justifica por duas ordens de razões. A primeira é estritamente analítica, respeitante à aptidão denotativa dos conceitos que usamos. Tomemos os direitos-pretensões como caso central dos direitos. Vimos que eles se analisam como correlativos dos deveres dirigidos. Ora, mesmo que entendamos que os deveres dirigidos são apenas uma subcategoria dos deveres, falta ainda esclarecer o que é que eles têm a mais do que os restantes. Se a pessoa A tem um dever para com a pessoa B, a simples afirmação de que A tem um dever não nos informa exaustivamente da situação normativa em causa. Falta dizer que esse dever tem B por «alvo» ou «destinatário», ou seja, falta dizer que esse dever é correlativo do direito de B, sendo indiscutível que a situação normativa de um dever para com B é diferente da de um dever para com C, para com a generalidade das pessoas ou, porventura, para com ninguém.

Os detractores dos direitos podem ainda tentar algumas defesas. A mais plausível é a de que a direcção de um dever de A para B se reduziria à existência ou possibilidade de existência de outros deveres, permissões, poderes e imunidades, sendo especialmente relevantes as permissões, poderes e imunidades na titularidade de B. A direcção reduzir-se-ia àquilo a que podemos chamar o «regime» de cada dever, esses outros factos deônticos que o rodeiam. É com este tipo de argumento que A. Ross (1957) nega que haja direitos, que os direitos sejam substâncias, e não meros expedientes verbais de simplificação. Vistas assim as coisas, no entanto, sempre se salvaria a linguagem dos deveres dirigidos e dos direitos, pois a redução em causa — daqueles a posições unilaterais simples — acarretaria uma complexidade que não é tragável na generalidade dos contextos. Nem é inequívoco quais são exactamente as posições unilaterais a que os deveres dirigidos poderão reduzir-se.

Para além disso, também não parece que a direcção dos deveres e os direitos em geral possam afinal ser reduzidos a outras posições normativas. Um argumento difundido é o da «antecedência» ou «prioridade» dos direitos e da direcção dos deveres (MacCormick, 1976 e 1977; May, 2015): o direito-pretensão de B contra A justifica que B tenha certos poderes e permissões e que A possa vir a ter outros deveres («secundários»). Primeiro, temos de saber se o dever primário de A é dirigido a B, temos de saber se B tem direito a que o dever seja cumprido, e só depois é que concluímos pela existência das restantes posições. Assim, a direcção do dever, o direito-pretensão há-de ser constituído por alguma outra coisa, e não pelas posições que justifica.

A segunda ordem de razões pelas quais os direitos ou, pelo menos, a respectiva linguagem são indispensáveis é talvez mais prática do que a anterior. Não se trata agora do rigor denotativo das palavras, mas sim daquilo que elas exprimem ou conotam, trata-se do aspecto «significativo-ideológico» (Cordeiro, 1988) da linguagem dos direitos e da respectiva teorização (May, 2012, e Sreenivasan, 2005). Na verdade, e em oposição directa às preocupações de Marx e Villey acima indicadas, é bom que os direitos transmitam uma ideologia individualista e exprimam uma ideia geral de liberdade do seu titular, sublinhando a autoridade ou a autonomia dessa pessoa como indivíduo, porventura até como fundamento dos deveres de outras. Há, sem dúvida, excessos de individualismo, tal como pode haver quem defenda a liberdade numa matéria em que não deva haver liberdade (por exemplo, não deve haver a liberdade de torturar). Mas a linguagem dos direitos, ao sublinhar a pessoa individual e autónoma do respectivo titular, é precisamente a adequada para transmitir princípios estruturantes das sociedades políticas liberais e democráticas, bem como de muitas relações interpessoais que normalmente não incluímos na esfera do político: se A faz uma promessa a B, o dever de A daí resultante é para com B, não pode ser devidamente compreendido sem referência a B, e nos casos mais comuns é instrumento de uma liberdade e autoridade acrescidas de B. A ideologia liberal (defensora da liberdade e autonomia), personalista e individualista subjacente ao tema dos direitos é desejável.

Por outro lado, não se pode exagerar o lado ideológico ou valorativo subjacente aos direitos. Os recém-nascidos humanos têm direitos, mas não são seres livres ou autónomos, embora sejam titulares de interesses (MacCormick, 1976) e, porventura, de uma dignidade. Na linguagem jurídica, pelo menos, as empresas (organizações) têm direitos, mas não são indivíduos nem pessoas, em sentido ético, cuja autonomia ou «liberdade» tenha valor em si mesma. Talvez os animais sencientes tenham direitos, mas em grande parte dos casos não faz sequer sentido falar de uma sua «liberdade» ou «autonomia». Talvez existam direitos de certos produtos de inteligência artificial. A admitir toda esta variedade nos titulares de direitos, a que voltaremos, a sua expressividade ideológica respeita apenas aos casos arquetípicos. Não deixa de ser importante, mas não é essencial à figura.

O sentido prático dos direitos

Os direitos têm importância, quer dizer, a titularidade de um direito é um estatuto ético especial de que decorrem outras consequências éticas. Os direitos envolvem razões éticas tais que o facto de alguém ter certo direito é com frequência um elemento decisivo na justificação de outros estados de coisas normativos. E isto, sublinhe-se, independentemente de os direitos serem ou não redutíveis a outras figuras, nos termos acabados de ver. Uma putativa redução dos direitos terá é de traduzir ou explicar este seu sentido prático.

Um aspecto muito referido é o da «peremptoriedade» dos direitos, o facto de os direitos serem «trunfos» (Dworkin, 1984) ou «limitações deontológicas» (Nozick, 1974). Este aspecto dos direitos revela-se na sua comparação com os interesses, no pressuposto de que os interesses, em especial os interesses de uma pessoa, constituem por si razões éticas para promover o seu conteúdo, pelo menos quando esse conteúdo não tem uma relação essencial com o mal de outrem…. O que se diz dos interesses poderá ser dito também das preferências, escolhas e desejos, mas o termo usual de comparação são os interesses. Assim, se B tem interesse em comer uma maçã, A tem uma razão para ajudá-lo a apanhá-la. Se B tem interesse em não me dar o seu dinheiro, eu tenho só por isso uma razão moral para não lho tirar nem exigir. Se B tem interesse em comer certa maçã porque está cheio de fome, e A tem interesse em comê-la apenas porque lhe saberia bem, o balanço das razões aponta, ceteris paribus, para que favoreçamos o B sobre o A, porque o interesse em saciar a fome é mais forte do que o interesse prazenteiro na comida. A relevância e a contabilidade dos interesses são, porém, afectadas quando entram direitos na ponderação. Se B tem direito a que A lhe pague 1000 euros este mês — v.g., porque B lhos emprestou e assim foi combinado —, A não tem uma razão suficiente para não pagar no facto de os 1000 euros não serem mais do que isso para B, enquanto que A terá de pedir um empréstimo ao banco para pagar, empréstimo esse que terá para ele um custo final de 1400 euros. Exemplos menos prosaicos, mas mais frequentes na literatura especializada, são o de que o direito de uma pessoa a não ser morta prevalece sobre o interesse de cinco outras em salvar as suas vidas com o transplante dos órgãos que seriam colhidos do cadáver da primeira, e o de que o direito de uma pessoa a exprimir livremente a sua opinião não pode ser limitado pelo Estado com o simples argumento de que são em grande maioria as pessoas incomodadas com a expressão de tal opinião, e pequeno o proveito de quem a exprime.

A peremptoriedade dos direitos não é absoluta. Em certos casos, um direito pode ser suprimido, «afastado» ou substituído em face da gravidade dos interesses ou de outros valores que se lhe oponham. Não é claro, contudo, o limiar a partir do qual se permite a supressão dos direitos. Em várias tradições jurídicas, esse limiar é marcado vagamente através de figuras como «o interesse público superior», «a desproporcionalidade», o «abuso do direito» e a «boa fé». Assim, por exemplo, entende-se comummente que o Estado pode expropriar em vista do interesse público, embora tenha de indemnizar o expropriado em valor equivalente. Em situações «de necessidade», pode destruir-se um bem alheio para salvar um bem de valor muito superior, também com indemnização pelo beneficiário da destruição. E o dono de um terreno não pode usá-lo de modo que o beneficie irrisoriamente mas com prejuízo sério para um vizinho, mesmo quando já o poderia fazer se o seu benefício também fosse sério, embora inferior. Um caso notório de restrição ou eliminação de direitos é o de «conflito de direitos»: se eu prometo a pessoas diferentes duas coisas incompatíveis, parece que os direitos não podem ambos manter-se na sua plenitude, sem prejuízo de eu ter de compensar o ou os titulares afectados.

A peremptoriedade é característica dos direitos, mas é também característica dos deveres, entendidos estes como deveres pro tanto (em inglês, duties), e não como «deveres tudo-visto» (em inglês filosófico, oughts): um dever tudo-visto não se confronta com nenhumas outras razões, porque é já o produto do confronto e ponderação de todas as razões em causa. Isto não quer dizer que a peremptoriedade dos deveres seja logicamente anterior, e a dos direitos, apenas uma sua decorrência (como parece afirmar Raz, 1986, 183-4). Pode tratar-se de um fenómeno comum a ambas as figuras sem relação de anterioridade e posterioridade.

A importância dos direitos revela-se também no facto de eles terem, com frequência, um certo tipo de regime, identificado quer nos estudos jurídicos e tradições legais, quer na filosofia moral. Pensando ainda nos direitos-pretensões e nos deveres dirigidos como caso central, o regime «típico» inclui as seguintes (outras) posições exclusivas do titular do direito:

  • Direitos de execução primária, incluindo liberdades e poderes de exigir o cumprimento do dever, e de pressionar ou mesmo coagir o obrigado, ou de obter o conteúdo devido à sua custa.
  • Direitos de compensação ou reconstituição em caso de violação do dever primário, incluindo o direito a retractação ou pedido de desculpa, e direitos à restituição de benefícios obtidos com aquela violação ou para cumprimento daquele dever.
  • Poderes de desoneração do obrigado, incluindo poderes de renúncia ao direito ou de consentimento e o poder de perdoar.

Quando o titular do direito-pretensão não tem alguns dos poderes típicos, ou mais alguém os tem, o regime conserva, tipicamente, uma relação especial com o titular, a saber:

  • Quando o titular do direito tem impotências de autoprotecção, isto é, quando a falta de alguns dos seus poderes típicos é justificada pela sua incompetência para exercê-los, por exemplo quando o titular é uma criança pequena.
  • Quando o titular tem um «representante», por exemplo um procurador ou um «tutor», que tem os poderes típicos e que foi escolhido pelo titular ou tem outra relação próxima com ele, e que tem o dever de agir de acordo com os interesses e eventuais escolhas competentes do titular.

Os direitos-pretensões são importantes não só para o titular do direito e para o obrigado, mas também para outras pessoas, além dos referidos representantes. Isto não nega o estatuto especial do titular do direito. Por vezes, a existência de um direito-pretensão justifica que certos terceiros tenham a liberdade ou até o dever de ajudar o titular a obter o cumprimento do dever primário. Mais genericamente do que em «ajudar», pode pensar-se numa liberdade ou dever de «apoiar» o titular do direito ou de «tomar o partido dele», se o titular do direito assim quiser ou precisar.

Este regime «típico» dos direitos, a incluir agora a questão da peremptoriedade, exprime a sua importância, o seu sentido prático, mas não se identifica com ele. Formulou-se anteriormente uma crítica à ideia de redução dos direitos ao seu regime. Assim, o sentido prático essencial dos direitos hão-de ser certas razões que necessariamente os acompanham e que co-justifiquem os aspectos típicos que em cada caso ocorram.

Interesse, vontade e valor

Quanto a saber aquilo que os direitos são, debatem-se tradicionalmente duas teorias (ou dois grupos de teorias), a «teoria da vontade» e a «teoria do interesse». Antes de se considerarem essas teorias, porém, cabe deixar claro que o conteúdo dos deveres ou de outras posições não é suficiente para estabelecer a existência de direitos correlativos. Em especial, o facto de o conteúdo de um dever de uma pessoa se referir a outra não é suficiente para se afirmar que esta tenha um direito (ao cumprimento daquele dever ou a outra coisa). Se A tem o dever de abrir a porta a B, esse dever tanto pode ser dirigido a B, tendo B o correlativo direito (por exemplo, se B for dono da porta ou da casa), quanto dirigido a outra pessoa (por exemplo, se for C o dono da casa e quiser que B entre), quanto, talvez, não dirigido a ninguém (por exemplo, se o dever de A for apenas um dever de generosidade). As teorias da vontade e do interesse, e outras construções do conceito de direitos, partem desta diferença elementar entre ter um direito e, pelo contrário, ser apenas a referência dos deveres, sujeições, etc. de outrem. Muito frequentemente, é claro, o titular de um direito é também referência das posições correlativas. Só que isso não é necessário nem suficiente para a existência do direito.

Na construção de Savigny (1840, 7), um direito é um poder da vontade, «uma região onde domina a vontade» do titular, através de um «poder» que lhe compete. Na de Jhering (1865, 317), um direito (jurídico) é um «interesse juridicamente protegido». Estas teorias têm equivalentes mais recentes que podem ser vistos a respeito dos direitos-pretensões/deveres dirigidos, e não dos direitos em geral. Assim, seguindo a teoria da vontade de Hart (1955 e 1973), diríamos que um dever de A é dirigido a B se e só se B tem certos poderes a seu respeito, em especial o poder de exigi-lo (nos casos jurídicos, em tribunal), o poder de extingui-lo (por renúncia e actos afins) e o poder de exigir compensação (para si) em caso de violação. Seguindo a teoria do interesse de Raz (1986, 165 e ss.), um dever moral é dirigido a B se e só se se fundar num interesse de B, ou seja, se a existência do interesse de B for parte indispensável da justificação do dever.

Ambas as teorias são insatisfatórias, embora ambas revelem alguma verdade importante relativamente aos direitos. A teoria da vontade é inaceitável porque há direitos de pessoas que não têm vontade normativamente relevante, como recém-nascidos e pessoas em coma. Optar por um conceito de «direitos» que não incluísse esses casos iria contra a linguagem corrente e ignoraria o regime (no sentido visto) comum aos direitos dessas pessoas. Dizer que essas pessoas são ou podem ser «representadas» por outras, que exercem pela primeira os seus poderes, não explica por que motivo não são os representantes os verdadeiros titulares dos direitos. A teoria da vontade é ainda uma teoria que tenta reduzir os direitos ao seu regime e que, por isso, sucumbe à objecção da «prioridade» antes vista.

A teoria do interesse falha porque há direitos sem interesse — por exemplo, eu tenho direito a fumar os meus cigarros, apesar da sua nocividade; também posso ter direito a que cumpram uma promessa que me fizeram apesar de esse cumprimento me prejudicar — e porque há interesses no cumprimento de deveres sem direitos. Seguindo um exemplo de Hart — correspondente a uma matéria tradicional do chamado direito privado, a do «contrato a favor de terceiro» —, se A faz uma promessa a B, é normal que só B tenha direito ao respectivo cumprimento, mesmo que outras pessoas dele beneficiem e, porventura, que os interesses dessas pessoas serem relevantes para o surgimento do dever: isso pode acontecer, por exemplo, numa situação em que A promete a B que faz certa coisa se C precisar. São também importantes, contra a teoria do interesse, os casos de certos direitos políticos, como o direito dos jornalistas a não revelarem as suas fontes, que se fundam essencialmente no interesse público de uma comunidade (no caso, o interesse em ter uma imprensa forte e livre), e não nos interesses do titular do direito (no caso, os jornalistas).

A teoria do interesse pode defender-se aceitando um conceito amplo de direitos-pretensões que inclua todos os casos em que algum interesse de outrem co-existe com um dever ou é dele constitutivo, mas essa opção também se afasta da linguagem corrente e reconheceria «direitos» sem sentido prático. Uma possível defesa comum a ambas as teorias, mais frequente na teoria do interesse, é a «estratégia da generalidade», que procura o interesse ou vontade relevante para o carácter dirigido de certo dever, ou para a existência de um qualquer direito, não nesse mesmo dever (ou direito) mas num outro dever de que o primeiro decorre ou numa categoria de deveres que o inclui e que tem uma relação típica, normal ou meramente pretendida com os ditos interesses ou vontades. Esta estratégia, porém, conduz a justificações rebuscadas e, sobretudo, deixa por explicar o sentido prático dos concretos direitos e deveres dirigidos relativamente aos quais não se encontra o interesse ou vontade em causa: por exemplo, o facto de os destinatários de uma promessa terem normalmente interesse no seu cumprimento não explica por que motivo certo direito promissório tem relevância prática e é até acompanhado pelo regime típico num caso em que tal interesse não existe. Tais teorias sofrem, portanto, de um sério défice explicativo.

No entanto, ambas as teorias parecem revelar alguma coisa da natureza dos direitos, em especial a frequente relevância dos interesses e das escolhas dos titulares na constituição e no regime dos direitos. Isto sugere que se procure um «conceito de ponte» que supere a oposição entre os de interesse e de vontade. O conceito de «valor pessoal» abrange todos os casos em que há razões (morais, jurídicas ou outras) para favorecer certo estado de coisas em atenção a (por mor de) certa pessoa (cf. Rønnow-Rasmussen, 2011: em inglês, «for the sake of»). Ora, os casos em que se atende aos interesses ou à vontade de certa pessoa são, normalmente, casos em que se favorece um estado de coisas em atenção a essa pessoa. Por vezes, deve atender-se aos interesses de uma pessoa (sobretudo, de uma criança) contra a sua vontade; outras vezes, deve atender-se à sua vontade (sobretudo, de um adulto) apesar de ela ir contra os seus interesses. Em ambas as situações, age-se normalmente em atenção a essa pessoa, e assim sucede, em especial, quando se lhe reconhecem direitos. Pode agir-se em atenção à pessoa A mesmo quando se segue uma determinação de B, designadamente quando esta é representante da anterior.

O conceito de valor pessoal será, então, um substituto adequado, na teoria dos direitos, para os conceitos de interesse e de vontade. Sublinhe-se que o valor pessoal não tem de implicar que o titular do direito seja uma entidade intrinsecamente valiosa, como uma pessoa propriamente dita, mas tem de implicar que o titular seja uma entidade separada das restantes (Múrias, 2018), do mesmo modo que cada direito pertence a certa pessoa e não a outras. Os direitos pressupõem que as pessoas são «unidades» de razões e que estas unidades estão separadas umas das outras. No caso mais comum, cabe ao titular ponderar os seus interesses e preferências, e decidir quanto ao modo de exercer o seu direito. Não havendo direitos, pelo contrário, os interesses e preferências de todos os sujeitos são considerados eticamente de uma forma agregada, como nas versões mais simples do utilitarismo (Parfit, 1984, 329-339 e passim). Duvidoso é que o valor pessoal deva ser procurado no fundamento (constitutivo) ou como elemento do regime dos deveres dirigidos. Uma hipótese é que ele respeite ao «fim» do dever, ou seja, ao facto de as razões para favorecer o valor pessoal respeitante a certa pessoa, independentemente de ele existir ou não no caso, serem também constitutivas do dever.

Direitos sem deveres

Discute-se se pode haver direitos sem deveres (de outrem) e, de modo semelhante, se os direitos não poderão ser mais básicos do que os deveres, incluindo os deveres dirigidos, contribuindo para justificá-los. Nesta perspectiva, a ocorrência de figuras hohfeldianas e deônticas em geral seria apenas uma manifestação secundária e porventura não necessária dos direitos propriamente ditos, e algumas das figuras hohfeldianas, por exemplo, as imunidades, corresponderiam a direitos ou não conforme os casos: a minha imunidade a que a Segurança Social me conceda o direito a uma pensão (dada a sua impotência para atribuir-ma) não será normalmente um direito ela própria, mas a minha imunidade a que a Segurança Social me retire tal direito já o será (Hart, 1973). E um mesmo direito poderia em diferentes momentos manifestar-se em diferentes posições deônticas: os direitos teriam um «conteúdo instável» (Silva, 1944, 53). Esta é uma visão cara à teoria do interesse, que por vezes afirma ou sugere que o direito é o interesse que justifica as posições deônticas (MacCormick, 1977) ou a situação em que tal interesse justificaria deveres (Raz, 1986, 166). As posições deônticas seriam secundárias e variáveis em função da questão primária de saber se alguém tem um direito e de quem o tem.

A ideia de «direitos de base» anteriores às figuras deônticas é reforçada pelas dificuldades que as liberdades hohfeldianas (meras ausências de dever) suscitam em confronto com a linguagem corrente: não se diria, por exemplo (de Hohfeld, 1919), que a minha liberdade de comer a salada de camarão é um «direito» se os restantes comensais também têm a liberdade de me impedir. No quadro da teoria da vontade, Hart (1973) defendeu que só são direitos as liberdades protegidas por um «perímetro» de deveres (e sujeições ou impotências) de outrem. Quem não aceitar reduzir os direitos ao regime tem de procurar outro tipo de direito subjacente a essas liberdades. Em certas matérias jurídicas, também parece por vezes conveniente ver os principais direitos resultantes de um contrato na alteração de um conjunto de posições deônticas (por exemplo, num contrato em que se vendem direitos) ou, por vezes, na possibilidade de surgirem certas posições deônticas (por exemplo, nos contratos de seguro, em que o segurado tem direito a que a seguradora pague uma indemnização se ocorrer o «sinistro»), e não nas posições deônticas propriamente ditas. Por razões práticas semelhantes, pode ser conveniente admitir direitos a coisas impossíveis em casos em que normalmente haveria direitos-pretensões e deveres dirigidos, mas não os há em virtude da máxima de que o dever implica poder (Múrias, 2015).

Uma hipótese de entender estes direitos de base sem sufragar a teoria do interesse nem reduzir os direitos a um regime deôntico é construí-los como figuras «axiológicas» («valorativas»), em especial através do conceito de valor pessoal antes referido. Trata-se de analisar os direitos em termos de razões éticas, independentemente de essas razões darem ou não origem a deveres ou outras posições deônticas. Recorde-se que o valor pessoal de um estado de coisas pode decorrer quer do interesse, quer da vontade de certo sujeito, bem como da vontade de representantes seus, etc. Haveria, então, um direito de base (relacional) quando houvesse certo tipo de razões para fazer prevalecer o valor pessoal respeitante a certo sujeito sobre o valor pessoal respeitante a outro.

Titulares de direitos, pessoas e afins

A pergunta sobre quais as entidades que podem ter direitos implica questões «técnicas», i.e., de mero rigor conceptual, e questões substantivas, sobre quais as entidades a que devemos reconhecer o valor suficiente ou adequado para terem direitos. Um ponto de partida relativamente consensual, nos nossos dias, é que todos os humanos (indivíduos da espécie Homo sapiens), desde o nascimento até à morte, podem ter direitos. Certas versões da teoria da vontade recusavam a possibilidade de direitos de bebés e de outros seres humanos sem vontade relevante, mas podem ignorar-se agora estas teses. A questão dos potenciais titulares de direitos pode ser vista como a questão de quais as entidades suficientemente semelhantes, para o efeito, aos humanos nascidos e ainda vivos. Pode ser também aproximada da questão sobre quais as entidades que são pessoas, no pressuposto de que todos os humanos nascidos e vivos o são, ou de quais as suficientemente semelhantes a pessoas. A pergunta justifica-se quanto a um conjunto variado de entidades. A referência a pessoas sugere a procura de entidades com valor intrínseco e final, como «fins em si mesmas», na expressão de Kant (1785, BA 65), mas também se discute a titularidade de direitos por entidades com valor meramente extrínseco ou sem valor nenhum.

Quanto aos fetos humanos, poderia considerar-se que são titulares de direitos (morais) a partir do momento em que, em princípio, deixa de ser moralmente permitido à mãe provocar um aborto, no pressuposto de que há um período inicial da gravidez em que isso é lícito e um outro em que já não o é. Neste segundo período — porventura, a partir do momento em que a mera indução do parto gerasse uma criança com forte probabilidade de sobrevivência saudável —, ser-se-ia levado a crer que o feto teria um valor intrínseco idêntico ao de um humano nascido e, por causa disso, teria direitos morais. Não deixa de ser curioso notar, todavia, que várias legislações tradicionais, inclusive as que proibiam genericamente o aborto, só admitiam direitos jurídicos aos humanos nascidos, por só estes serem, no entendimento dessas leis, «pessoas jurídicas» (só esses «terem personalidade jurídica»). Admitindo que essas legislações tivessem boa justificação, isso quereria dizer que o valor ético próprio de uma pessoa não seria suficiente para se ter direitos.

Coloca-se questão inversa quanto às «organizações» («pessoas institucionais», «pessoas artificiais», «pessoas colectivas»), ou seja, os estados, autarquias e outras entidades públicas, e certas empresas, associações, fundações e afins. Diz-se por vezes que estas entidades são «pessoas» apenas em virtude de uma «ficção», uma ficção jurídica ou, mais concretamente, legal. Contudo, parece que as organizações (algumas delas) também têm direitos morais (Raz, 1986, 166, 176, 180). Se eu compro alguma coisa à empresa Rosa & Filhos, L.da, aparentemente o meu dever moral de pagar dirige-se à empresa («à casa»), e não a quem forem os seus donos, trabalhadores ou gestores num certo momento. O direito-pretensão correlativo é, pois, da empresa. Ora, uma organização não tem valor intrínseco, pode inclusive ter valor negativo (por exemplo, certas empresas falidas), e não é uma entidade consciente ou senciente como um ser humano. A possibilidade de ter direitos, então, será independente destas características eticamente importantes dos seres humanos.

O que se diz sobre organizações pode ser transposto para certos robôs e outros sistemas de inteligência artificial, inclusive sistemas virtuais. (A analogia entre pessoas institucionais e inteligência artificial é sugestiva em vários aspectos: cf. Dan-Cohen, 1986, 46-51.) Se uma «sociedade por quotas», como a Rosa & Filhos, L.da, pode ter direitos morais, não há razão aparente para um sistema informático que funcione em termos semelhantes na internet, comprando e vendendo coisas, por exemplo, não os poder ter também.

Um aspecto comum às pessoas (humanas), às organizações e às estruturas de IA que estamos a imaginar é que todas elas implicam um «sistema de instruções» que constituem ou podem constituir razões normativas: nas pessoas humanas, os seus interesses e as suas escolhas, desejos, decisões, etc. (a «vontade»); nas organizações, os seus estatutos e as decisões tomadas com base neles (não é claro que se possa falar de «interesses» neste caso); nas estruturas de IA, o seu programa, em hardware ou software, e as «decisões» assim geradas (quando for o caso de constituírem razões). Cabe notar ainda que a possibilidade de uma entidade ter direitos não implica logicamente que ela possa ser responsável por alguma coisa. Esta é uma outra questão.

Estes aspectos comuns às pessoas, organizações e sistemas de IA deverão estar presentes noutros candidatos à titularidade de direitos. Discute-se, nalguns países, se devem ser reconhecidos direitos jurídicos a certos rios sagrados ou outras entidades monumentais (certas árvores, certos montes…), e se estes são, juridicamente, «pessoas». Isso passará por determinar se essas entidades envolvem de modo reconhecível um «sistema de instruções» (um «centro de interesses») como os anteriormente referidos.

Discute-se bastante se os animais (não humanos) têm ou podem ter direitos. A defesa da importância dos interesses dos animais nos quadros de um utilitarismo de actos (Singer, 1975) não envolve a afirmação de que eles têm direitos: nesses quadros, todos os deveres visariam a maximização do bem-estar geral, nenhum deles seria dirigido a certo indivíduo. Pelo contrário, a visão dos animais como sujeitos sensíveis de uma vida e, portanto, com valor intrínseco condiz com a tese deontológica de que os animais têm direitos (Regan, 1983). Trata-se de um modo de pensar semelhante àquele que funda certos direitos básicos das pessoas nas capacidades racionais e reflexivas dos seres humanos normais. Contra um utilitarismo como o de Singer, uma ideia subjacente à tese de que os animais têm direitos é a de que alguns dos seus interesses (por exemplo, o interesse em não ser morto) não se sujeitam a uma ponderação simples com interesses contrários (por exemplo, o interesse de alguém em comer aquele animal), antes gozam da peremptoriedade própria dos direitos.

Podem admitir-se deveres, inclusive deveres peremptórios, que sejam atinentes a animais mas não sejam dirigidos aos animais em causa, mesmo quando o conteúdo desses deveres implica atender aos interesses dos animais. Como vimos, o conteúdo de um dever não é suficiente para lhe atribuir uma direcção. Cabe perguntar qual a diferença prática: «Se um homem tem o dever de não dar pontapés [a certo] cão, o que é que interessa ao cão ou seja a quem for se este é um dever para com o cão?» (Hayward, 2013). A verdade é que interessa, pois a titularidade de um direito envolve, em princípio, um regime: se o dever é dirigido ao cão, então, ceteris paribus, o representante daquele cão — porventura o dono ou outro encarregado — tem uma legitimidade especial para exigir o cumprimento do dever; se o cão for lesado pela violação do dever, então aquele cão deve ser compensado; etc. Como vimos, os direitos têm os efeitos práticos de um estatuto especial do seu titular.

Os animais não merecem todos o mesmo estatuto moral. As esponjas (naturais vivas) e, porventura, os celenterados (alforrecas, corais, anémonas) e os platelmintas (vermes achatados) não são seres sencientes, não sentem dor ou prazer. Sendo esse o caso, o seu estatuto não será diferente do das plantas e fungos, embora se trate de animais, e o seu valor intrínseco não justificará que tenham direitos. Dentro dos animais sencientes, talvez alguns deles não mereçam ser eticamente considerados indivíduos separados dos restantes: se se causar uma dor injustificável, mas momentânea, a um atum, haverá um dever de compensar aquele atum (que, suponhamos, não guarda memória da dor nem tem companheiros que a guardem) ou, pelo contrário, havendo o dever ético de reparar a violação, basta uma reparação que beneficie o seu cardume, os peixes de quaisquer espécies daquela área, aquele ecossistema ou a biosfera? No caso de o atum não dever ser considerado um indivíduo para este efeito, parece que não pode ser titular de direitos, mesmo que haja deveres peremptórios a seu respeito. Dentro dos animais sencientes não humanos, aqueles que têm capacidades cognitivas superiores, incluindo a capacidade de auto-identificação (v.g., perante um espelho) — porventura os grandes símios, os golfinhos, certas aves…. — talvez devam simplesmente ser considerados pessoas (é a posição de Singer, 1979, 129-138) e tenham plena capacidade de ter direitos.

É também motivo de discussão saber se as gerações futuras têm direitos, ou melhor, se as pessoas que comporão essas gerações futuras terão então direitos (futuros) que devam ser respeitados hoje, ou se terão já hoje direitos (presentes), cabendo ainda perguntar, quanto ao primeiro caso, se os direitos futuros podem ser correlativos de deveres presentes (Campos, 2018). Problema central quanto aos direitos das gerações futuras é o «problema da não identidade», no pressuposto de que as menores variações ocorridas do presente, inclusive as resultantes do cumprimento ou violação de supostos deveres, levarão a que no futuro não existam as mesmas pessoas que existiriam sem essas variações, no ulterior pressuposto de que A e A’ só podem ser uma única e a mesma pessoa se tiverem na sua origem os mesmos espermatozóide e óvulo (Parfit, 1984, 351 e ss.). A individualidade (identidade e separabilidade) dos seres também é entendida aqui como requisito da titularidade de direitos. A inexistência de direitos das gerações futuras pareceria não impedir a existência de deveres não dirigidos, inclusive deveres peremptórios, fundados em razões relativas ao futuro. Contudo, se as razões que supostamente servem de fundamento são os interesses e preferências das gerações futuras, pode duvidar-se também de que esses interesses e preferências justificassem acções que, ao serem praticadas ou omitidas, os impediriam de existir, uma vez que, nesse caso, existiriam outras pessoas, com outros interesses e preferências. A conclusão destes argumentos assentes no problema da não identidade afigura-se contra-intuitiva. É discutível o pressuposto de que a individualidade ética relevante, com a unidade e separabilidade de um conjunto de interesses e preferências, coincida com a individualidade genética de um ser humano. Pode defender-se, por exemplo, que a lesão de interesses futuros tem por objecto uma entidade composta pela pessoa que existirá nesse caso e aquela que existiria se não fosse a lesão (Johansson, 2019).

A justificação dos direitos

O problema específico da justificação dos direitos, por oposição à justificação ética em geral, coloca-se quanto à sua peremptoriedade e quanto à especificidade do estatuto do titular, que se manifesta no regime típico. O utilitarismo de actos, como em Bentham e Singer, caracteriza-se notoriamente por eliminar ambos esses aspectos do universo moral — e, portanto, eliminar os direitos — ao defender que todo o dever, em todas as circunstâncias, tem por conteúdo o estado de coisas que maximize a satisfação agregada de interesses, ou seja, «a felicidade geral». Isto impede quer a existência de razões peremptórias quer o lugar especial de um qualquer centro de interesses (como uma pessoa).

Pelo contrário, o deontologismo de Kant parece oferecer uma justificação de alguns direitos, quer na consideração das pessoas (humanas), enquanto seres racionais, como «fins em si mesmas» não instrumentalizáveis e, nessa medida, com uma dignidade essencial, quer na defesa do imperativo categórico: «age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal» (Kant, 1785, BA 53). O utilitarismo de regras de Stuart Mill (Mill, 1861) admite direitos ao defender que a utilidade justificativa dos deveres, designadamente em questões de justiça, é a que seria maximizada se as regras respectivas fossem genericamente seguidas numa sociedade, sendo que as regras que conferem direitos são frequentemente úteis. Além das objecções gerais que estas teorias mereçam, elas também parecem não se adequar perfeitamente à variedade dos direitos e não direitos éticos. A construção de Kant não justifica inequivocamente direitos de seres não racionais (incluindo bebés e animais), nem se adequa com facilidade ao facto de certos seres com valor intrínseco final não terem direitos e de os terem alguns seres com mero valor instrumental. O argumento da dignidade humana servirá como justificação dos chamados «direitos humanos», mas mais dificilmente poderá ser invocado em favor de direitos de aparência meramente técnica, como os que podem ser reconhecidos também a organizações, ou de direitos fundados num interesse público (e não individual). O utilitarismo e outros consequencialismos de regras têm dificuldade em reconhecer direitos a entidades sem capacidade cognitiva suficiente para alterarem o seu comportamento em virtude da vigência ou não de regras que confiram direitos (Galvão, 2016).

O problema geral da peremptoriedade dos direitos ou dos deveres sugere que as razões deles constitutivas têm uma natureza especial. Podem ser razões «de segunda ordem» «excludentes» da consideração de outras razões (Raz, 1975, 35-48) ou razões «cancelatórias» do valor ou do peso de outros factos enquanto razões, por oposição às razões que apenas têm um peso superior ao daquelas com que se confrontam (Whiting, 2017). No caso de direitos contra alguém, as razões excluídas ou canceladas seriam, pelo menos, as razões constitutivas do valor pessoal respeitante à pessoa contra quem o direito se ergue, maxime os seus interesses e as suas escolhas.

A especificidade do estatuto do titular dos direitos tem de ser justificada por estados de coisas que tenham uma relação especial com esse titular. Ou por se tratar de características «próprias» desse titular, como a sua humanidade, a sua racionalidade, a sua senciência ou a sua organização decisória, ou por se tratar de acontecimentos exteriores que têm uma relação especial com ele, como uma promessa que lhe é dirigida ou um dano que se lhe causou. Não raramente, a titularidade de um direito é justificada pela titularidade de um direito anterior: a violação de um direito meu, se me causar dano, dará origem a novo direito, o direito a ser compensado pela lesão; se a violação constituir um ganho ou «enriquecimento» para o infractor, poderá conferir-me o direito à respectiva restituição.

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Outros artigos

Constituição; Dever; Direitos Humanos; Interesse; Principialismo


Como citar este artigo

Múrias, P. “Direitos”. Dicionário de Filosofia Moral e Política (2020), 2.ª série, coord. António Marques e André Santos Campos. Lisboa: Instituto de Filosofia da Nova, URL: <http://www.dicionariofmp-ifilnova.pt/direitos>.


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DOI: http://doi.org/10.34619/4z95-3t38


Publicado em: 20 de Janeiro de 2020


Pedro Múrias

Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa

<pedrofmurias@sapo.pt>